Young Girl Defending Herself From Eros   - William Bouguereau
 
 
 
 

 
 

 

 
Quando o amor ...
 
 

Acenar, siga-o, ainda que por caminhos ásperos e íngremes

E quando suas asas o envolverem, renda-se a ele ainda que a

lâmina escondida sob suas asas possa feri-lo.

E quando ele falar a você, acredite no que ele diz,

ainda que sua voz possa destroçar seus sonhos,

assim como o vento norte devasta o jardim.

Pois, se o amor o coroa, ele também o crucifica.

Se o ajuda a crescer, também o diminui.

Se o faz subir às alturas e acaricia seus ramos mais

tenros que tremem ao sol, também o faz descer às raízes

e abala a sua ligação com a terra.

Como os feixes de trigo, ele o mantém íntegro.

Debulha-o até deixa-lo nu.

Transforma-o, livrando-o de sua palha.

Tritura-o, até torna-lo branco.

Amassa-o, até deixa-lo macio;

e então submete ao fogo para que se transforme

em pão no banquete sagrado de Deus.

Todas essas coisas pode o amor fazer para que

você conheça os segredos do seu coração,

e com esse conhecimento se torne um fragmento

do coração, da vida.
 
 


  
  
 
A Tempestade
 
 

O Pássaro e o homem tem essências diferentes.

O homem vive à sombra de leis e tradições por ele inventadas;

o pássaro vive segundo a lei universal que faz girar os mundos.

Acreditar é uma coisa; viver conforme o que se acredita é outra.

Muitos falam como o mar, mas vivem como os pântanos.

Muitos levantam a cabeça acima dos montes;

mas sua alma jaz nas trevas das cavernas.

A civilização é uma arvore idosa e carcomida,

cujas flores são a cobiça e o engano e cujas frutas

são a infelicidade e o desassossego.

Deus criou os corpos para serem os templos das almas.

Devemos cuidar desses templos para que sejam

dignos da divindade que neles mora.

Procurei a solidão para fugir dos homens, de suas leis,

de suas tradições e de seu barulho.

Os endinheirados pensam que o sol e a lua e as estrelas se levantam

dos seus cofres e se deitam nos seus bolsos.

Os políticos enchem os olhos dos povos com poeira

dourada e seus ouvidos com falsas promessas.

Os sacerdotes aconselham os outros,

mas não aconselham a si mesmos,

e exigem dos outros o que não exigem de si mesmos.

Vã é a civilização. E tudo o que está nela é vão.

As descobertas e invenções nada são senão brinquedos

com a mente se diverte no seu tédio.

Cortar as distâncias, nivelar as montanhas,

vencer os mares, tudo isso não passa de

aparências enganadoras, que não alimentam o

coração e nem elevam a alma.

Quanto a esses quebra-cabeças, chamados ciências e artes,

nada são senão cadeias douradas com os quais o homem

se acorrenta, deslumbrados com seu brilho e tilintar.

São os fios da tela que o homem tece desde o inicio

do tempo sem saber que, quando terminar sua obra,

terá construído a prisão dentro da qual ficará preso.

Uma coisa só merece nosso amor e nossa dedicação, uma coisa só...

É o despertar de algo no fundo dos fundos da alma.

Quem o sente não o pode expressar em palavras.

E quem não o sente, não poderá nunca conhecê-lo através de palavras.

Faço votos para que aprendas a amar as tempestades em vez de fugir delas. 
  

 


  
 

Os desejos do amor
 
 

O amor não tem outro desejo senão o de atingir a sua plenitude.

Se, contudo, amar é precisar ter desejos, sejam estes os vossos desejos:

De se diluir no amor e ser como um riacho que canta sua melodia para a noite...

De conhecer a dor de sentir ternura demasiada...

De ficar ferido por vossa própria compreensão do amor ...

De sangrar de boa vontade e com alegria...

De acordar na aurora  com o coração alado

e agradecer por um novo dia de amor...

De descansar ao meio-dia  e meditar sobre o êxtase do amor...

De voltar para casa a noite com gratidão ...

E de adormecer com uma prece no coração para o bem amado,

e nos lábios uma canção de bem aventurança ...
 
 


  
  
 
Então, um homem disse-lhe:
 
 

Fala-nos do conhecimento de si. E ele respondeu:

Os vossos corações conhecem, no silêncio,

os segredos dos dias e das noites.

Mas os vossos ouvidos têm sede de ouvir finalmente

o eco do saber dos vossos corações.

Gostaríeis de saber pelo verbo

o que sempre soubeste pelo pensamento.

Gostaríeis de sentir com os dedos

o corpo nu dos vossos sonhos.

E está certo que assim o queirais.

A fonte oculta da vossa alma deve necessariamente

jorrar e correr a murmurar para o mar;

e o tesouro das vossas profundezas infinitas

revelar-se aos vossos olhos.

Mas que não haja balança

que pese o vosso tesouro desconhecido;

e não procureis explorar os abismos do vosso saber

com a vara ou com a sonda,

pois o eu é um mar sem limites e sem medida.

Não digais: «Encontrei a verdade»,

mas antes: «Encontrei uma verdade.»

Não digais: «Encontrei o caminho da alma.»

Mas antes: «Cruzei-me com a alma que seguia pelo meu caminho.»

Pois a alma percorre todos os caminhos.

 A alma não caminha sobre uma linha

nem se alonga como uma vara.

A alma abre-se a si própria

como se abre um lótus de inúmeras pétalas. 

  
O Profeta (trecho) 


  

 

"Como poderei ir-me em paz e sem pena ?

Não, não será sem um ferimento na alma que deixarei esta cidade.
 

Longos foram os dias de amargura que passei dentro de suas muralhas, e longas as noites de solidão; e quem pode despedir-se sem tristeza de sua amargura e de sua solidão ?

Muitos foram os pedaços de minha alma que espalhei nestas ruas, e muitos são os filhos de minha ansiedade que caminham, desnudos, entre estas colinas, e não posso abandoná-los sem me sentir oprimido e entristecido.

Não é uma simples vestimenta que dispo hoje, mas a própria epiderme que arranco com minhas mãos.

Nem é um mero pensamento que deixo atrás de mim, mas um coração enternecido pela fome e pela sede.

Contudo, não posso demorar-me por mais tempo.

O mar, que chama a si todas as coisas, está me chamando, e devo embarcar.

Pois permanecer aqui, enquanto as horas queimam-se na noite, seria congelar-me e cristalizar-me num molde.

De bom grado levaria comigo tudo o que está aqui.

Mas como fazê-lo ? A voz não leva consigo a língua e os lábios que lhe deram asas.

É isolada que deve procurar o éter.

É também só e sem ninho que a águia voará rumo ao Sol." 
  

 


  
 

E uma mulher que acalentava um bebê disse,

- Fale-nos de crianças...

E ele disse:

- Tuas crianças não são tuas crianças. Elas são os filhos da Vida que anseia por si.

Elas vieram através de ti mas não de ti, e a despeito de estarem contigo elas não te pertencem.
Tu podes dar-lhes teu amor mas não teus pensamentos, pois elas têm seus próprios pensamentos. Tu podes hospedar seus corpos mas não suas almas, pois suas almas habitam a casa do amanhã, que tu não podes visitar, mesmo em teus sonhos.

Tu podes empenhar-te para seres como elas, mas não tentes fazê-las serem como tu, pois a vida não caminha para trás nem coabita com o ontem.

Tu és o arco do qual tuas crianças, como flechas vivas, são impulsionadas. Arqueiro vede a marca sobre a trajetória do infinito, a ele te dobra com seu poder para que tuas flechas sigam velozes e para longe. 
  
Deixes que a flexão na mão do arqueiro seja para o contentamento e a felicidade; Pois assim como ele ama a flecha que voa, Ele ama também o arco que seja firme".

 

"O Profeta" (trecho)
  
 


 
 
 
Nús ao Vento
 

Estar nús ao vento e brincar com sua pele

Deixar-se beijar pelo mar,

pela chuva, pelo orvalho,

pelos humores de uma noite quente de verão

Fazer um manto com a lua

que brinca entre as árvores

E quando o sol subir alto no céu,

derreter no seu quente suspiro ... 
  

 

 

 

Aprendi o silêncio com os faladores,

a tolerância com os intolerantes,

a bondade com os maldosos,

e, por estranho que pareça

sou grato a esses professores.

 
 
 
 

Vós conversais quando deixais de estar em paz com vossos pensamentos.

E quando não podeis mais viver na solidão de vosso coração, procurais viver nos vossos lábios, e encontrais então uma diversão e um passatempo nas vibrações emitidas.

Em grande parte de vossas conversações, o pensamento é meio assassinado.

Pois o pensamento é uma ave do espaço que, numa gaiola de palavras, pode abrir as asas, mas não pode voar.

Há entre vós aqueles que procuram os faladores por medo da solidão.

A quietude da solidão revela-lhes seu Eu-desnudo, e eles preferem escapar-lhe.

E há aqueles que falam e, sem o saber ou prever, traem uma verdade que eles próprios não compreendem.

E há aqueles que possuem a verdade dentro de si, mas não a expressam em palavras. No íntimo de tais pessoas o espírito habita num silêncio rítmico.

 
"OProfeta  (A conversação)
 
 
 
 
 
 
Entre as Colinas

Entre as colinas,
quando vos sentardes à sombra fresca
dos álamos brancos,
partilhando da paz e da serenidade dos campos
e dos prados distantes,
então que vosso coração diga em silêncio:
"Deus repousa na Razão".
E quando bramir a tempestade,
e o vento poderoso sacudir a floresta,
e o trovão e o relâmpago proclamarem
a majestade do céu,
então que vosso coração diga
com temor e respeito:
"Deus age na Paixão".
E já que sois um sopro na esfera de Deus
e uma folha na floresta de Deus,
também devereis
descansar na razão e agir na paixão.
 
 
 
 
 
És livre na luz do Sol
e livre ante a estrela da noite
E
és livre quando não há sol,
nem lua ou estrelas.
I
nclusive, és livre quando fecha os olhos
a tudo que existe.
P
orém, és escravo de quem amas
pelo fato mesmo de amá-lo.
E
és escravo de quem te ama,
pelo fato mesmo de deixar-te amar.
 
 

 

Amizade

 

Vosso amigo é a satisfação de vossas necessidades.
Ele é o campo que semeais com carinho e ceifais com agradecimento.
É vossa mesa e vossa lareira.
Pois ides a ele com vossa fome e procurais em busca de paz.
Quando vosso amigo expressa seu pensamento, nao temais o "não" de vossa própr
ia opinião, nem prendais o "sim".
E quando ele se cala, que vosso coração continue a ouvir seu coração,
Porque na amizade, todos os desejos, ideais, esperanças, nascem e são partilhados sem palavras, numa alegria silenciosa.
Quando vos separais de vosso amigo, não vos aflijais.
Pois o que amais nele pode tornar-se mais claro na sua ausência, como para o alpinista a montanha aparece mais clara, vista da planicie.
E que não haja outra finalidade na amizade a não 
ser o amadurecimento  de espirito.
Pois o amor que procura outra coisa a não ser a revelação de seu pró
oprio mistério não é amor, mas uma rede armada, e somente o inaproveitavel é nela apanhado.
E que o melhor de vos próprios seja para vosso amigo.
Se ele deve conhecer o fluxo de vossa maré, que conheça também o seu refluxo.
Pois, que achais seja vosso amigo para que o procureis somente a fim de matar o tempo?
Procurai-o sempre com horas para viver:
O papel do amigo é encher vossa necessidade, não vosso vazio.
E na docura da amizade, que haja risos e o partilhar dos prazeres.
Pois no orvalho de pequenas coisas, o coração encontra sua manhã e  sente-se refrescado.

"O Profeta" (trecho)

 

 

 
 
Sete vezes desprezei minha alma:
Quando a vi disfarçar-se com a humildade para alcançar a grandeza;
Quando a vi coxear na presença dos coxos;
Quanto lhe deram a escolher entre o fácil e o difícil, e escolheu o fácil;
Quando cometeu um mal e consolou-se com a idéia de que outros cometem o mal também;
Quando aceitou a humilhação por covardia e atribuiu sua paciência à fortaleza;
Quando desprezou a fealdade de uma face que não era, na realidade, senão uma de suas próprias máscaras;
Quando considerou uma virtude elogiar e glorificar.
 
 
 

Gibran Khalil Gibran

(1883-1931)

 

Gibran Khalil Gibran nasceu em 6 de dezembro de 1883, na cidade de Bisharri, no sopé da Montanha do Cedro, no norte do Líbano. O pai, um coletor de impostos, bebia e jogava, mas vinha de uma linhagem de intelectuais e de religiosos maronitas pelo lado da mãe. Khalil não teve uma educação formal, mas aprendeu inglês, francês e árabe ao mesmo tempo, além de revelar-se uma promessa precoce como artista, desenvolvendo uma paixão por Leonardo da Vinci aos seis anos de idade. Aos onze anos, toda a família, com exceção do pai, emigrou para a América e estabeleceu-se em uma comunidade de imigrantes libaneses no bairro chinês de Boston. A mãe trabalhava como costureira, e o irmão mais velho, Boutros, abriu um armazém. Gibran freqüentou a escola, onde seu nome começou a ser escrito como Khalil. Foi mandado para aulas de desenho e em seguida foi apresentado ao fotógrafo Fred Holland Day, que o usou como modelo e lhe encomendava desenhos.

Em 1898, Gibran foi mandado para casa para freqüentar a escola Al Hikma, em Beirute. Estudou literatura francesa romântica e árabe. Em 1902, voltou para a família via Paris. Uma das irmãs, Sultana, morreu de tuberculose antes da sua chegada, e foi logo seguida pelo irmão, Boutros. Dentro de apenas algumas semanas, a mãe morreu de câncer, deixando-o com a irmã caçula, Mariama. Gibran vendeu o armazém e passou a ganhar a vida como pintor. Mais tarde, teve um romance com a jornalista Josephine Peabody, que o apresentou a Mary Haskell, uma professora que viria a ser sua patrocinadora e colaboradora. Sua carreira como escritor estabeleceu-se quando começou a escrever para o jornal Mohajer, de emigrantes árabes.

Em 1905, o primeiro livro, AI-Musiqah, foi publicado. Seguiram-se mais artigos e livros, a maioria criticando o Estado e a Igreja e, em 1908, seu livro de poemas em prosa, Ai-Arwah ai Mutamarridah, foi proibido pelo governo sírio e ele foi excomungado pela Igreja Sida. Mary Haskell patrocinou-lhe então uma estada de dois anos em Paris, onde Gibran estudou pintura na École des Beaux-Arts e na Académie Julien, onde fez uma exposição em 1910.

De volta aos Estados Unidos, depois de Mary Haskell ter recusado seu pedido de casamento, mudou-se para Nova lorque e trabalhou como pintor de retratos. Fazia exposições regularmente, e um livro com seus desenhos foi publicado. Em 1912, a publicação de sua novela Broken Wings rendeu-lhe uma correspondência permanente com May Ziadah, uma jovem libanesa que vivia no Cairo. Mary Haskell encorajou-o a escrever em inglês e, em 1915, apareceu um poema, Pie Perfect World, seguido do primeiro livro em inglês, Pie Madman, em 1918. Durante este tempo, continuou a escrever em árabe e a trabalhar como artista.

Em 1920, Gibran tomou-se um dos fundadores de uma sociedade literária chamada Arrabitali ou O Laço da Pena. Sua carreira como pintor e escritor florescia, mas estava com problemas cardíacos e começou a beber muito para mitigar as dores no coração. Era convidado com frcqtiência a discursar para congregações de igrejas liberais.

Em 1922, foi inaugurada uma exposição de seus desenhos a bico de pena e aquarelas e, em 1923, foi publicada sua obra-prima, O Profeta. Foi um sucesso imediato e as vendas nunca caíram. Publicou vários outros trabalhos em inglês e em árabe, sendo o mais notável Jesus, Filho do Homem (1928), antes de morrer de insuficiência hepática e tuberculose incipiente em 10 de abril de 1931. Gibran nunca perdeu a paixão pelo Líbano, sua terra natal, onde foi enterrado e onde é considerado uma lenda.

 

Fonte: O Profeta - Gibran Khalil Gibran, Editora L&PM - 2001

 

 
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