Ao braço do mesmo Menino Jesus quando
apareceu
O todo
sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é
parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se
diga, que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está
Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E
feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte
sempre fica o todo.
O braço de Jesus não seja
parte, Pois que feito Jesus em partes todo, Assiste cada
parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste
todo, Um braço, que lhe acharam, sendo parte, Nos disse as
partes todas deste
todo.
Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a
inconstância dos bens do mundo
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se
segue a noite escura, Em tristes sombras morre a
formosura, Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se
acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não
dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da
pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a
firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria
sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela
ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza
somente na
inconstância.
Queixa-se o poeta em que o mundo vai errado e,
querendo emendá-lo, o tem por empresa
dificultosa.
Carregado de mim ando no mundo, E o grande peso embarga-me
as passadas, Que como ando por vias desusadas, Faço o peso
crescer e vou-me ao fundo.
O remédio será seguir o
imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, Que as
bestas andam juntas mais ornadas, Do que anda só o engenho
mais profundo.
Não é fácil viver entre os
insanos, Erra, quem presumir, que sabe tudo, Se o atalho
não soube dos seus danos.
O prudente varão há de ser
mudo, Que é melhor neste mundo o mar de enganos Ser louco
cos demais, que ser sisudo.
Novas do mundo que lhe pediu por carta um amigo de
fora por ocasião da frota
França está mui doente das ilhargas, Inglaterra tem dores
de cabeça, Purga-se Holanda, e temo lhe aconteça Ficar
debilitada com descargas.
Alemanha lhe aplica ervas
amargas, Botões de fogo, com que convaleça. Espanha não
lhe dá, que este mal cresça. Portugal tem saúde e forças
largas.
Morre Constantinopla, está ungida. Veneza
engorda, e toma forças dobres, Roma está bem, e toda a Igreja
boa.
Europa anda de humores mal regida. Na América
arribaram muitos pobres. Estas as novas são, que há de
Lisboa.
Rompe o poeta com a primeira impaciência
querendo
declarar-se e temendo perder por ousado
Anjo no nome, Angélica na cara, Isso é ser flor, e Anjo
juntamente, Se Angélica flor, e Anjo florente, Em quem,
senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a
não cortara De verde pé, de rama florescente? E quem um
Anjo vira tão luzente, Que por seu Deus, o não
idolatrara?
Se como Anjo dos meus altares, Fôreis o
meu custódio, e minha guarda, Livrara eu de diabólicos
azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, Posto
que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo, que me tenta, e
não me guarda.
Gregório de
Matos
(1636-1696)
Poeta sacro e satírico do Brasil colonial.
Nasceu em Salvador, Bahia, então capital da colônia, e faleceu
em Recife, Pernambuco. Filho de abastados proprietários rurais
da região de Salvador, estudou com os jesuítas,
bacharelando-se em leis na Universidade de Coimbra. Ingressou
na carreira judiciária, tendo sido Juiz do Crime e Juiz de
Órfãos e Ausentes em Portugal. Ligado ao grupo do futuro rei
D. Pedro II, que disputava o poder com D. Afonso VI, Gregório
de Matos destinava-se a brilhante carreira burocrática e
política, mas perdeu o favor real por motivos não
esclarecidos.
Retornou ao
Brasil em 1680. Casou-se, já maduro, em 1684.
Extremamente crítico,
advogou sem sucesso financeiro, em Salvador. Foi perseguido na
Bahia e em Portugal. Acabou sendo desterrado para Angola, de
onde retornou ao Brasil para viver em Pernambuco. Fez poesia
lírica, sacra, profana e satírica, em estilo barroco, com
influência gongórica. Suas sátiras criticavam pessoas
eminentes como juízes, desembargadores, senhores de engenho,
nobres, governadores, eclesiásticos e seus parentes, pelo que
acabou recebendo a alcunha de "Boca do Inferno". Suas poesias
retrataram, também, a vida social colonial, especialmente o
comportamento dos diferentes grupos sociais. A edição de sua
Obras Completas foram dificultadas pelos esforços
necessários à identificação da autoria dos
textos.
Fonte: Enciclópedia
Encarta - 2000 (Microsoft)
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