The Bouquet  - 1899 - John William Godward


 
 

 

 

Ao braço do mesmo Menino Jesus quando apareceu

 

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

 

 

Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a

inconstância dos bens do mundo

 

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

 

Queixa-se o poeta em que o mundo vai errado e,

querendo emendá-lo, o tem por empresa dificultosa.

 

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo o mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.


 

 

Novas do mundo que lhe pediu por carta um amigo de fora por ocasião da frota

 

França está mui doente das ilhargas,
Inglaterra tem dores de cabeça,
Purga-se Holanda, e temo lhe aconteça
Ficar debilitada com descargas.

Alemanha lhe aplica ervas amargas,
Botões de fogo, com que convaleça.
Espanha não lhe dá, que este mal cresça.
Portugal tem saúde e forças largas.

Morre Constantinopla, está ungida.
Veneza engorda, e toma forças dobres,
Roma está bem, e toda a Igreja boa.

Europa anda de humores mal regida.
Na América arribaram muitos pobres.
Estas as novas são, que há de Lisboa.


 

 

Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo

declarar-se e temendo perder por ousado

 

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Se Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

 

 

 

Gregório de Matos

(1636-1696)

 

Poeta sacro e satírico do Brasil colonial. Nasceu em Salvador, Bahia, então capital da colônia, e faleceu em Recife, Pernambuco. Filho de abastados proprietários rurais da região de Salvador, estudou com os jesuítas, bacharelando-se em leis na Universidade de Coimbra. Ingressou na carreira judiciária, tendo sido Juiz do Crime e Juiz de Órfãos e Ausentes em Portugal. Ligado ao grupo do futuro rei D. Pedro II, que disputava o poder com D. Afonso VI, Gregório de Matos destinava-se a brilhante carreira burocrática e política, mas perdeu o favor real por motivos não esclarecidos.

Retornou ao Brasil em 1680. Casou-se, já maduro, em 1684.

Extremamente crítico, advogou sem sucesso financeiro, em Salvador. Foi perseguido na Bahia e em Portugal. Acabou sendo desterrado para Angola, de onde retornou ao Brasil para viver em Pernambuco. Fez poesia lírica, sacra, profana e satírica, em estilo barroco, com influência gongórica. Suas sátiras criticavam pessoas eminentes como juízes, desembargadores, senhores de engenho, nobres, governadores, eclesiásticos e seus parentes, pelo que acabou recebendo a alcunha de "Boca do Inferno". Suas poesias retrataram, também, a vida social colonial, especialmente o comportamento dos diferentes grupos sociais. A edição de sua Obras Completas foram dificultadas pelos esforços necessários à identificação da autoria dos textos.

Fonte: Enciclópedia Encarta - 2000 (Microsoft)

 

 

 

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