Idleness (1900) - John William Godward

 
  
  

 

 

 

 

Abrir as portas

 

 

Há muito não me sopra o vento,

Há muito não me cheira a terra.

Ah saudade, magia etérea,

Que me fecundava o pensamento.

Há muito não respiro a brisa,

Há muito que mal me sinto.

Onde andarei? Porque me sinto?

Cego da luz que me ilumina.

Há muito não me inunda a serra,

Há muito não me embriaga a chuva,

Há muito tenho a alma turva,

Por muito que o não quisera.

Há muito não me aquece a noite,

Há muito não me estremece a neve,

Há muito não se extingue a sede,

Há muito que é sempre noite.

...Mas ainda o Sol se há-de pôr

Na penumbra dos dias tristonhos,

Aquecê-los. Fazê-los risonhos,

E à vida direi: "- Ao seu dispor!"

Vou abrir as portas à vida,

Deixá-la entrar, por favor,

Atear-me fogo, num calor,

E a vida seja em mim a VIDA!

Há muito eu não sei das estrelas,

Há muito que não me ilumina o céu,

Há muito que não tenho certezas,

Há muito eu não sou eu.

 

(Julho de 1999)

 

 

 

Alma desfraldada

 

 

Ando cansado dum cansaço que me cansa,

Em correria louca, vertiginosa, sem tempo...

E se quero parar, algo mais forte em mim avança,

Impele-me, fustiga-me e eu não o entendo.

Sou eu? Serei mesmo eu assim a correr?

Vento há, decerto, que me empurra.

Só sou vela armada, que mais poderia ser?

E só quero entender o vento que sussurra.

Mas donde vem – mistério – me sopra este vento?

Que me diz, que me quer, que não se amaina?

E, desfalecido às vezes, me descubro em alento...

Qual cansaço? Se me de dou de novo todo à faina?!

Assobia, sopra, bate-me forte vento meu,

Desfralda-me a alma, dá-me dessa aragem,

Serei tua brisa, se o quiseres, sou todo teu,

Canta-me, diz-me do ar qual é a mensagem.

Que eu irei a correr, a voar, se preciso for,

Ganharei asas, irei ali, sem ficar aquém,

Serei seta, astro d’oiro, navio a todo o vapor.

Mas irei! Que quero ser vento também.

 

(Outubro de 1996)

 

 

 

 

Esperança

 

 

Haja o que haja, o que houver,

O que quer que haja, que o seja,

Que o seja, e ao sê-lo aprouver,

A quem o haja e ao querê-lo almeja.

O que tem de ser, É, acontece,

Pela força, dor, amor, qu’interessa?

Não há destino. Alguém o tece,

Cumpre-se no tempo, a tempo, a promessa.

O que tem de ser que aconteça,

Mas depressa – já se vai o tempo.

Desvende-se o mistério, a dúvida se desvaneça,

Chegue a hora, o segundo, o momento!

Olhos meus, sonhadores de infinito,

Ilumina-os a esperança, querem ser,

Não só um olhar, mas sim um grito,

Do que olhos olhando podem ver.

 

(Janeiro de 1997)

 

 

 

 

Ilusão

 

 

Ao deitar-me na cama pronto a dormir,

Mergulho num sonho de sonho sonhado,

Invade-me uma paz que nem me importa partir,

Estou tão bem aqui como em qualquer outro lado...

Por estranho que pareça, tenho pensado,

Na vida, na morte e no que permanece oculto,

Em tudo o que sou e trouxe, como legado,

E aos poucos e poucos... vou descerrando o vulto.

Dúvidas eu tenho – sou gente – e certezas também.

Dou por mim tantas e tantas vezes a pensar,

Que a vida, malandra, vestida de fato porém,

Ensina-me o bater de asas para um dia eu voar.

...É sempre um início, um presente, um já e agora,

Que me é dado ver ao pôr a máscara fora,

E tu vida! Já não me iludes como outrora,

Só sei que sinto isto... como se me visse do lado de fora...

 

(Janeiro de 2002)

 

 

Serra, meu sonho

 

 

Amanhece-me o dia despertando o sonho,

Seguindo as pisadas ao meu devaneio,

Sonâmbulo lá vou, nem sei bem como,

E o rumo sem rumo se faz timoneiro.

Não sei se é o sonho que te enlaça primeiro

Ou eu e tu, mais o sonho a convite marcado

Ou algo em mim bruxuleando de etéreo

Num suave carinho de emoção e afago.

Cumprimento-te, não estás só e irreconhecida,

O agitar dos teus ramos são braços a chamar

Da saudade irreprimível que tens de eu voltar,

...Agitam-se as hastes na minh’alma florida.

Os teus vales férteis de matos salpicados,

De prados, searas, castiçais de castanheiros,

Urzes, torgas, linhas de água e amieiros

De montes afeiçoados pelos rios passados.

Inebriam-me estas pequenas coisas frívolas, sabes,

Teus muros de pedra, lajes que acamam meu caminho,

Sinto-te triste, perdoa... o granito ali sozinho,

Tu és o meu Outono... de loiras claridades.

Teus rios derramam laivos esquecidos ao poente,

Como desabafos, ruídos monótonos de choro,

Numa paisagem agreste talhada de sonho

De ritmos orquestrados, sons, sinfonia crescente!

Há que tempo! E ainda foi ontem que te vi,

Sonho, estremeço embebido num sonho puído,

Respiro-te, abraço-te, encosto-te o ouvido,

E tu respiras-me, abraças-me como quem ri.

Na Primavera surpreendes-me vestida de seda,

No Verão espraias-te em fragrâncias de flores e centeio,

No Outono ruivos brilhos são teus olhos de cera,

No Inverno a nevar, enregelada choras, ai que pena...

 

(Janeiro de 2002)

 

 

Um pouco sobre João Matos

(País: Portugal)

 

 

 

RESENHA BIOGRÁFICA

 

João Matos nasceu em 24 de Março de 1955, no Couto de Cucujães, pequena localidade do distrito de Aveiro que dista cerca de trinta quilómetros da grande cidade do Porto. A título de curiosidade, refira-se que Cucujães, onde os monges Beneditinos, se instalaram há oito séculos, arrasta consigo ao longo do tempo, marcos históricos, que nos transportam ao século XII, altura em que se fundou a Nação Portuguesa.

Pedindo desculpa, por me ter desviado do que me parece essencial, retomo o meu propósito de vos apresentar o meu amigo João Matos que é o mais velho de oito filhos de um casal de operários da indústria do calçado, Não terá sido fácil, porque os tempos, esses eram difíceis, mas a verdade é que João Matos, ainda muito jovem, começou por traçar a trajectória da sua vida no fascinante mundo das artes, onde de resto, encontrou a profissão consentânea com a sua forma de ser e de pensar, sendo sem dúvida um conceituado estilista, com um papel relevante na competitiva indústria do calçado.

Contrariando a sua natureza de homem dotado de grande sensibilidade e defensor acérrimo da paz universal, foi como marinheiro, que cumpriu serviço militar obrigatório, na Guiné, na altura em que já decorria o processo de independência daquele país africano.

João Matos é, na maior parte dos casos, o autor das letras que nos canta, juntando-lhes harmoniosamente os sons dos seus «sete instrumentos» ,sendo o resultado dessa simbiose, uma paisagem musical que, no mínimo, convida à reflexão.

Mesmo confrontando-se com uma constante falta de tempo, o João embrenha-se persistentemente no mundo da arte, onde tem evidenciado a sua invulgar criatividade, através de obras verdadeiramente notáveis, sendo disso exemplos, os dois albumes de originais, " VIAJAR COM OS SENTIDOS e PASSAGEIRO DE MIM, editados em 1996 e 1998 respectivamente.

A poesia é também uma das grandes paixões de João Matos e já são três as antologias de autores portugueses que incluem parte apreciável da sua obra poética, que retrata, por vezes metaforicamente, o mundo que o envolve, dando a conhecer em simultâneo a sua alma de homem, parecido com as pessoas.

Se fizermos uma audição atenta, ao teme "Taxista de Profissão" inserido no seu album "Passageiro de Mim", facilmente se constata que o autor sustenta, desde sempre, uma imensa vontade de «guiar destinos».

 

Helder Rodrigues

17 de Setembro de 2002

 

 

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