Abrir as
portas
Há muito não me sopra o vento,
Há muito não me cheira a
terra.
Ah saudade, magia etérea,
Que me fecundava o pensamento.
Há muito não respiro a brisa,
Há muito que mal me sinto.
Onde andarei? Porque me sinto?
Cego da luz que me ilumina.
Há muito não me inunda a
serra,
Há muito não me embriaga a
chuva,
Há muito tenho a alma
turva,
Por muito que o não
quisera.
Há muito não me aquece a
noite,
Há muito não me estremece a
neve,
Há muito não se extingue a
sede,
Há muito que é sempre
noite.
...Mas ainda o Sol se há-de
pôr
Na penumbra dos dias
tristonhos,
Aquecê-los. Fazê-los risonhos,
E à vida direi: "- Ao seu
dispor!"
Vou abrir as portas à
vida,
Deixá-la entrar, por
favor,
Atear-me fogo, num
calor,
E a vida seja em mim a
VIDA!
Há muito eu não sei das
estrelas,
Há muito que não me ilumina o
céu,
Há muito que não tenho
certezas,
Há muito eu não sou
eu.
(Julho de
1999)

Alma
desfraldada
Ando cansado dum cansaço que me
cansa,
Em correria louca, vertiginosa, sem
tempo...
E se quero parar, algo mais forte em mim
avança,
Impele-me, fustiga-me e eu não o
entendo.
Sou eu? Serei mesmo eu assim a
correr?
Vento há, decerto, que me
empurra.
Só sou vela armada, que mais poderia
ser?
E só quero entender o vento que
sussurra.
Mas donde vem – mistério – me sopra este
vento?
Que me diz, que me quer, que não se
amaina?
E, desfalecido às vezes, me descubro em
alento...
Qual cansaço? Se me de dou de novo todo à
faina?!
Assobia, sopra, bate-me forte vento
meu,
Desfralda-me a alma, dá-me dessa
aragem,
Serei tua brisa, se o quiseres, sou todo
teu,
Canta-me, diz-me do ar qual é a
mensagem.
Que eu irei a correr, a voar, se preciso
for,
Ganharei asas, irei ali, sem ficar
aquém,
Serei seta, astro d’oiro, navio a todo o
vapor.
Mas irei! Que quero ser vento
também.
(Outubro de
1996)

Esperança
Haja o que haja, o que
houver,
O que quer que haja, que o
seja,
Que o seja, e ao sê-lo
aprouver,
A quem o haja e ao querê-lo
almeja.
O que tem de ser, É,
acontece,
Pela força, dor, amor,
qu’interessa?
Não há destino. Alguém o
tece,
Cumpre-se no tempo, a tempo, a
promessa.
O que tem de ser que
aconteça,
Mas depressa – já se vai o
tempo.
Desvende-se o mistério, a
dúvida se desvaneça,
Chegue a hora, o segundo, o
momento!
Olhos meus, sonhadores de
infinito,
Ilumina-os a esperança, querem
ser,
Não só um olhar, mas sim um
grito,
Do que olhos olhando podem
ver.
(Janeiro de
1997)

Ilusão
Ao deitar-me na cama pronto a
dormir,
Mergulho num sonho de sonho
sonhado,
Invade-me uma paz que nem me importa
partir,
Estou tão bem aqui como em qualquer outro
lado...
Por estranho que pareça, tenho
pensado,
Na vida, na morte e no que permanece
oculto,
Em tudo o que sou e trouxe, como
legado,
E aos poucos e poucos... vou descerrando
o vulto.
Dúvidas eu tenho – sou gente – e certezas
também.
Dou por mim tantas e tantas vezes a
pensar,
Que a vida, malandra, vestida de fato
porém,
Ensina-me o bater de asas para um dia eu
voar.
...É sempre um início, um presente, um já
e agora,
Que me é dado ver ao pôr a máscara
fora,
E tu vida! Já não me iludes como
outrora,
Só sei que sinto isto... como se me visse
do lado de fora...
(Janeiro de
2002)

Serra, meu sonho
Amanhece-me o dia
despertando o sonho,
Seguindo as pisadas ao
meu devaneio,
Sonâmbulo lá vou, nem
sei bem como,
E o rumo sem rumo se
faz timoneiro.
Não sei se é o sonho
que te enlaça primeiro
Ou eu e tu, mais o
sonho a convite marcado
Ou algo em mim
bruxuleando de etéreo
Num suave carinho de
emoção e afago.
Cumprimento-te, não
estás só e irreconhecida,
O agitar dos teus ramos
são braços a chamar
Da saudade irreprimível
que tens de eu voltar,
...Agitam-se as hastes
na minh’alma florida.
Os teus vales férteis
de matos salpicados,
De prados, searas,
castiçais de castanheiros,
Urzes, torgas, linhas
de água e amieiros
De montes afeiçoados
pelos rios passados.
Inebriam-me estas
pequenas coisas frívolas, sabes,
Teus muros de pedra,
lajes que acamam meu caminho,
Sinto-te triste,
perdoa... o granito ali sozinho,
Tu és o meu Outono...
de loiras claridades.
Teus rios derramam
laivos esquecidos ao poente,
Como desabafos, ruídos
monótonos de choro,
Numa paisagem agreste
talhada de sonho
De ritmos orquestrados,
sons, sinfonia crescente!
Há que tempo! E ainda
foi ontem que te vi,
Sonho, estremeço
embebido num sonho puído,
Respiro-te, abraço-te,
encosto-te o ouvido,
E tu respiras-me,
abraças-me como quem ri.
Na Primavera
surpreendes-me vestida de seda,
No Verão espraias-te em
fragrâncias de flores e centeio,
No Outono ruivos
brilhos são teus olhos de cera,
No Inverno a nevar,
enregelada choras, ai que pena...
(Janeiro de
2002)

Um
pouco sobre João Matos
(País: Portugal)

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RESENHA
BIOGRÁFICA
João Matos nasceu
em 24 de Março de 1955, no Couto de Cucujães, pequena
localidade do distrito de Aveiro que dista cerca de trinta
quilómetros da grande cidade do Porto. A título de
curiosidade, refira-se que Cucujães, onde os monges
Beneditinos, se instalaram há oito séculos, arrasta consigo ao
longo do tempo, marcos históricos, que nos transportam ao
século XII, altura em que se fundou a Nação
Portuguesa.
Pedindo desculpa,
por me ter desviado do que me parece essencial, retomo o meu
propósito de vos apresentar o meu amigo João Matos que é o
mais velho de oito filhos de um casal de operários da
indústria do calçado, Não terá sido fácil, porque os tempos,
esses eram difíceis, mas a verdade é que João Matos, ainda
muito jovem, começou por traçar a trajectória da sua vida no
fascinante mundo das artes, onde de resto, encontrou a
profissão consentânea com a sua forma de ser e de pensar,
sendo sem dúvida um conceituado estilista, com um papel
relevante na competitiva indústria do calçado.
Contrariando a sua
natureza de homem dotado de grande sensibilidade e defensor
acérrimo da paz universal, foi como marinheiro, que cumpriu
serviço militar obrigatório, na Guiné, na altura em que já
decorria o processo de independência daquele país africano.
João Matos é, na
maior parte dos casos, o autor das letras que nos canta,
juntando-lhes harmoniosamente os sons dos seus «sete
instrumentos» ,sendo o resultado dessa simbiose, uma paisagem
musical que, no mínimo, convida à reflexão.
Mesmo
confrontando-se com uma constante falta de tempo, o João
embrenha-se persistentemente no mundo da arte, onde tem
evidenciado a sua invulgar criatividade, através de obras
verdadeiramente notáveis, sendo disso exemplos, os dois
albumes de originais, " VIAJAR COM OS SENTIDOS e PASSAGEIRO DE
MIM, editados em 1996 e 1998 respectivamente.
A poesia é também
uma das grandes paixões de João Matos e já são três as
antologias de autores portugueses que incluem parte apreciável
da sua obra poética, que retrata, por vezes metaforicamente, o
mundo que o envolve, dando a conhecer em simultâneo a sua alma
de homem, parecido com as pessoas.
Se fizermos uma
audição atenta, ao teme "Taxista de Profissão" inserido no seu
album "Passageiro de Mim", facilmente se constata que o autor
sustenta, desde sempre, uma imensa vontade de «guiar
destinos».
Helder
Rodrigues
17 de Setembro de
2002
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entre em contato
com João Matos
info@joaomatos.online.pt
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