Da Amizade

Michel de Montaigne

(Trecho do Cap. XXVIII, onde Montaigne fala de sua amizade com La Boétie)

 

(...) Na amizade a que me refiro, as almas entrosam-se e se confundem em uma única alma, tão unidas uma à outra que não se distinguem, não se lhes percebendo sequer a linha de demarcação. Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que o não saberia expressar senão respondendo: porque era ele; porque era eu.

E mais do que poderia dizer, de uma maneira geral e no caso em apreço, intervém em ligações dessa natureza uma força inexplicável e fatal que eu não saberia definir. Nós nos procurávamos antes de nos termos visto, pelo que ouvíamos um acerca do outro, e nascia em nós uma afeição em verdade fora de proporções com o que nos era relatado, no que vejo como que um decreto da Providência. Abraçávamo-nos pelos nossos nomes e em nosso primeiro encontro casual em Bordéus, por ocasião de uma festa pública e em numerosa companhia, sentimo-nos tão atraídos um pelo outro, já tão próximos, já tão íntimos que desde então não se virão outros tão íntimos como nós.