Cartas da juventude para cantar uma saudade

Sibele Ligório

 

Sou ainda de uma geração que fazer um curso de datilografia era requisito básico na formação de quem estava entrando no mercado de trabalho, talvez seja eu da última geração que fez este tipo de curso.

Também fiz lições em alguns cadernos de caligrafia, para aprender a escrever em linhas retas, respeitando as margens, parágrafos, tudo para que o texto saísse bonito.

Os cursos de datilografia e os cadernos de caligrafia não devem nem mais existir, assim como está acontecendo com as cartas.

A carta tem um charme, um encantamento que provavelmente um e-mail nunca terá.

Escrever uma carta tem todo um ritual: escolher o papel e a caneta, caprichar na letra e na mensagem, dobrar o papel com cuidado antes de colocar no envelope preenchido, selar, postar... e depois? Depois o destinatário faz o mesmo ritual, afinal, estamos aguardando ansiosos pelo chamado do carteiro: “Correioooo!”.

Uma carta é tudo isso e muito mais: retrata a letra da pessoa, a personalidade, o cheiro, e até as imperfeições são bonitas. Coisas que não são possíveis ao frio e-mail, todo formatadinho, escrito em Arial 12.

A tecnologia é maravilhosa, hoje escrevo meus textos sem a preocupação de errar a palavra, mas se errar o corretor ortográfico irá tracejá-la com uma linha vermelha, e se eu não souber escrever uma carta os modelos do Word ensinam até onde colocar a saudação. Todos estes recursos escritores como Machado de Assis, Érico Veríssimo, Eça de Queiroz, jamais imaginariam um dia existirem, eles que escreviam e reescreviam seus livros, até chegarem ao ponto desejado.

Sou de uma geração de transição, da máquina de escrever ao computador, do orelhão de fichas ao celular, do LP ao CD, de brincar de vôlei e pega-pega com as crianças na rua ao vídeo game solitário, da carta ao e-mail.

Talvez eu seja muito jovem para dar conselhos, então vou tomar emprestado um de Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, que sabia bem o valor de uma carta: “(...) abria-as todas, li-as uma a uma, e recompunha o pretérito... Leitor ignaro, se não guardas as cartas da juventude, não conhecerás um dia a filosofia das folhas velhas, não gostarás o prazer de ver-te, ao longe, na penumbra, com um chapéu de três bicos, botas de sete léguas e longas barbas assírias, a bailar ao som de uma gaita anacreôntica. Guarda as tuas cartas da juventude!

Ou, se te não apraz o chapéu de três bicos, empregarei a locução de um velho marujo (...) direi que, se guardares as cartas da juventude, acharás ocasião de "cantar uma saudade". “.

 Sibele Cristina de Castro Ligório
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