Sou ainda de uma geração que
fazer um curso de datilografia era requisito básico na formação
de quem estava entrando no mercado de trabalho, talvez seja eu
da última geração que fez este tipo de curso.
Também fiz lições em alguns
cadernos de caligrafia, para aprender a escrever em linhas
retas, respeitando as margens, parágrafos, tudo para que o texto
saísse bonito.
Os cursos de datilografia e os
cadernos de caligrafia não devem nem mais existir, assim como
está acontecendo com as cartas.
A carta tem um charme, um
encantamento que provavelmente um e-mail nunca terá.
Escrever uma carta tem todo um
ritual: escolher o papel e a caneta, caprichar na letra e na
mensagem, dobrar o papel com cuidado antes de colocar no
envelope preenchido, selar, postar... e depois? Depois o
destinatário faz o mesmo ritual, afinal, estamos aguardando
ansiosos pelo chamado do carteiro: “Correioooo!”.
Uma carta é tudo isso e muito
mais: retrata a letra da pessoa, a personalidade, o cheiro, e
até as imperfeições são bonitas. Coisas que não são possíveis ao
frio e-mail, todo formatadinho, escrito em Arial 12.
A tecnologia é maravilhosa, hoje
escrevo meus textos sem a preocupação de errar a palavra, mas se
errar o corretor ortográfico irá tracejá-la com uma linha
vermelha, e se eu não souber escrever uma carta os modelos do
Word ensinam até onde colocar a saudação. Todos estes recursos
escritores como Machado de Assis, Érico Veríssimo, Eça de
Queiroz, jamais imaginariam um dia existirem, eles que escreviam
e reescreviam seus livros, até chegarem ao ponto desejado.
Sou de uma geração de transição,
da máquina de escrever ao computador, do orelhão de fichas ao
celular, do LP ao CD, de brincar de vôlei e pega-pega com as
crianças na rua ao vídeo game solitário, da carta ao e-mail.
Talvez eu seja muito jovem para
dar conselhos, então vou tomar emprestado um de Brás Cubas,
personagem de Machado de Assis, que sabia bem o valor de uma
carta: “(...) abria-as todas,
li-as uma a uma, e recompunha o pretérito... Leitor ignaro, se
não guardas as cartas da juventude, não conhecerás um dia a
filosofia das folhas velhas, não gostarás o prazer de ver-te, ao
longe, na penumbra, com um chapéu de três bicos, botas de sete
léguas e longas barbas assírias, a bailar ao som de uma gaita
anacreôntica. Guarda as tuas cartas da juventude!
Ou, se
te não apraz o chapéu de três bicos, empregarei a locução de um
velho marujo (...) direi que, se guardares as cartas da
juventude, acharás ocasião de "cantar uma saudade". “.
Sibele
Cristina de Castro Ligório
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