O "Pequeno Príncipe" foi uma
das grandes obras do escritor francês Antonie de Saint-Exupéry.
Uma das passagens marcantes da obra é o diálogo entre a raposa e
o príncipe, ela tenta convencê-lo a cativá-la para que então,
mesmo não sendo humana como ele, fosse sua amiga. O
príncipezinho argumenta que não tem tempo para cativá-la, pois
há muitas coisas a descobrir.
A raposa então explica o que é
cativar ao Pequeno Príncipe: "Tu não és para mim senão um garoto
inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho
necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu
me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o
único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo (...) Se tu
me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o
barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me
fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como
música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não
como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me
lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de
ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O
trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho
do vento do trigo (...). A gente só conhece bem as coisas que
cativou, disse a raposa. Os homens não têm tempo de conhecer
coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não
existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu
queres uma amiga, cativa-me! Os homens esqueceram a verdade,
disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas
eternamente responsável por aquilo que cativas".
Esta fábula para crianças serve
bem aos adultos. Vivemos dias em que tudo está cheio de pressa,
de compromissos, de coisas a serem descobertas, repetimos o
pensamento do Pequeno Príncipe: "não tenho tempo. Tenho amigos a
descobrir e mundos a conhecer".
Lembrei-me então, de outra
grande obra literária, o livro "O Banquete" do filósofo Platão,
onde são discutidos vários entendimentos do amor. Um dos
participantes, Pausânias, escolhe falar do amor corpóreo: "é mau
aquele amante popular, que ama o corpo mais que a alma; pois não
é ele constante, por amar um objeto que também não é constante
(...) ao mesmo tempo que cessa o viço do corpo, que era o que
ele amava, ‘alça ele o seu vôo’, sem respeito a muitas palavras
e promessas feitas.".
Tomei aqui parte de duas
grandes obras literárias: "O Pequeno Príncipe" e "O Banquete",
para falar de dois sentimentos primordiais para existência
humana: a amizade e o amor. Em nosso cotidiano esses sentimentos
são muitas vezes banalizados, descartáveis e efêmeros, ou assim
chamados erroneamente de amizade e de amor o que não passa de
simpatia ou atração física, onde o que mais fazemos é colecionar
números, como se fossem parâmetros de nossas qualidades.
Em tempos de tantas facilidades
de comunicação, temos pressa, urgência de "conhecer" pessoas, de
expandir nossos relacionamentos. Mas o que fazemos para cativar
verdadeiramente o que julgamos ter conquistado? Não cativamos o
que não conhecemos, diz a raposa. Não amamos verdadeiramente,
pois escolhemos primeiramente amar ao corpo do que a alma, diz
Pausânias.
Que bom seria que raposas
saíssem de fábulas e nos lembrassem diariamente que somos
responsáveis pelos trigos que cativamos.
Sibele
Cristina de Castro Ligório
poesia@vidaempoesia.com.br