Encontrávamo-nos todos os dias pela manhã e
juntos íamos andando até ao centro da cidade. A tarde fazíamos
lado a lado o caminho inverso.
Um mês depois
do nosso conhecimento, na hora marcada, lá estava eu, na porta
do prédio em que residia a moça das caminhadas diárias.
Ela veio
encontrar-me com seu riso lindo, e então, pela primeira vez
descobri covinhas em seu rosto levemente sardento.
Fomos de
táxi, que era o must da época, até ao Marabá
assistirmos ao filme "Dio como ti amo!" e ouvimos a
Gigliola Ciquetti interpretar a romântica música do mesmo nome
do filme. Naqueles dias, isso era uma aventura como escalar o
Everest sem equipamento algum.
De volta,
despedida na porta de entrada do prédio dela, com apenas
beijinho na mão. De repente, dela explode um convite ----
vamos viajar amanhã?
---- Vamos,
para aonde?
Na minha
curta imaginação e pouco conhecimento turístico, deduzi que
tomaríamos o trem na estação Sorocabana e iríamos comendo
pipoca até Carapicuiba. Lá ficaríamos um pouco de tempo
andando sem destino, ou então, quem sabe, na direção oposta,
fossemos até Mauá. Daríamos algumas voltas em torno da praça
principal da cidade, como faziam a maioria dos casais, que
para lá iam, retornando assim que o enfado do lugar
chegasse.
O importante
não era o que se faria no destino da viagem, e sim que os
casais ficassem juntos por alguns
momentos.
Mas para
minha surpresa e espanto, disse-me ela:
---- Para uma
cidade muito bonita, distante três horas daqui, fica na Serra
da Mantiqueira.
No dia
seguinte, bem cedo, na porta do prédio em que eu morava
juntei-me a ela e sua pequena família, pai, mãe, que era louca
por orquídeas, e o único irmão menor que ela, dentro da
camioneta verde, que nos levaria por uma estrada tortuosa, até
a cidade destino.
Sentados lado
a lado no segundo banco do veículo, no ponto cego do
retrovisor, onde o olhar do pai dela perdia-se, em cada curva
juntávamos mais um pouco os corpos.
Dois dias de
primavera passados na serra com aquela flor, por longas horas
do amanhecer ao anoitecer, embrenhando-nos mata a dentro
procurando orquídeas nunca encontradas. Somente sabia que a
felicidade existia, que estava ali e que atendia pelo nome de
Mirtes.
Voltamos no
final do domingo. No retorno não tínhamos mais preocupações
com o espelho retrovisor. Os acontecimentos foram firmando-se
até que já eram aceitos sem contestações.
Daquele dia
em diante, não nos encontrávamos mais ocasionalmente, nossos
encontros diários eram compromissos assumidos.
Durante
aquela primavera e nas demais estações do ano, por muito
tempo, viajávamos semanalmente para aquela cidade à procura
orquídeas, nunca as encontrando.
À medida que
o tempo passava, mais ela falava em casamento. À medida que
ela falava desse assunto, eu ia desaparecendo até tornar-me
invisível na região.
Descobri, bem
depois, que Mirtes era o nome de um arbusto que os latinos
dedicavam a Vênus, e seu pai teria visto em mim um Vulcano.
Isso me esclareceu muita coisa, por exemplo, eu teria sido
escolhido por ele para ser seu genro.
Agora, tantos
anos depois, novamente primavera, orquídeas, cidades serranas
e moças ruivas com rostos levemente sardentos parecem
miragens... parecem Mirtes...