Carlos Drummond de
Andrade: o poeta de um mundo caduco
Por: Sibele
Ligório
É provável que Carlos
Drummond de Andrade cumprira o papel de sua existência, sendo poeta
do que farmacêutico ou professor de geografia, pois tudo nele fora
feito de palavras.
Comemora-se neste
mês, 100 anos de nascimento. O Brasil caminhou em direção a
literatura moderna através de sua escrita, às vezes dada como
regionalista, como em "Itabira", escrita em homenagem a sua cidade
natal, outras, complexa, como em "No meio do Caminho".
Fora um dos poetas
que melhor soube trabalhar a existência do ser, e inclusive de si
mesmo, como em "Poema de Sete Faces" (Vai, Carlos! ser gauche na
vida.) Tratava de temas como o amor, a morte, o tempo, tinha
tons de melancolia, mas sobretudo, soube ser cativante. Não acredito
existir alguém que não possa se envolver em uma poesia de Carlos
Drummond de Andrade.
Será que por se
considerar um "gauche na vida", é que não aceitou a candidatura a
membro da Acadêmia Brasileira de Letras e a receber o Prêmio
Brasília de Literatura? Não, Drummond não era acanhado, nem mesmo
inepto, nem mesmo indigno de todas as honrarias que o Brasil poderia
lhe prestar, dizia apenas que não aceitava essas honrarias por
"questão de consciência".
Ainda contribui
mais ainda para a literatura, traduzindo livros como "A Fugitiva" de
Marcel Proust. Mas fora as traduções suas obras em diversas línguas,
que trouxe ao mundo o conhecimento do literatura
brasileira.
Talvez não sejam
suas obras, tratados sobre a vida ou como viver bem, mas trazem em
si reflexões, ao contrário do que diz sobre suas "mínimas": Assim
como os antigos moralistas escreviam máximas, deu-me vontade de
escrever o que se poderia chamar de mínimas, ou seja, alguma coisa
que, ajustada às limitações do meu engenho, traduzisse um tipo de
experiência vivida, que não chega a ser sabedoria mas que, de
qualquer modo, é resultado de viver...."
Em 17 de agosto de
1987 ele se fora, doze dias depois de sua única filha Maria Julieta,
deixando não só para Itabira, não só para o Brasil, a literatura de
um poeta cantor de uma história, deixou o espaço de um ausente, e
são dele as palavras abaixo, como se tivesse feito um auto-retrato
de sua ausência. As mesmas palavras que falaríamos para
ele:
Um Ausente
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum
aquiescência
de viver e explorar os rumos de
obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de
cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo
nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em
si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da
natureza
nem nos deixaste sequer o direito de
indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Sibele
Ligório é contabilista, técnica em informática
e acadêmica de Filosofia pela PUC - Campinas. É
criadora do site Vida em
Poesia. |
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