Simples Prazeres

 

 

“Ai, ai, que bom que bom, que bom que é/ Uma estrada e uma cabocla/ Cum a gente andando a pé/ Ai, ai, que bom/ Que bom, que bom que é/ Uma estrada e a lua branca/ No sertão de Canindé/ Automove lá nem sabe se é home ou se é muié/ Quem é rico anda em burrico/ Quem é pobre anda a pé/ Mas o pobre vê nas estrada/ O orvaio beijando as flô/ Vê de perto o galo campina/ Que quando canta muda de cor/ Vai moiando os pés no riacho/ Que água fresca, nosso Senhor/ Vai oiando coisa a grané/ Coisas qui, pra mode vê/ O cristão tem qui andar a pé.” Luiz Gonzaga

 

Como são boas as coisas simples de que é feita a vida! Como a letra da música acima, que mesmo andando no sertão quando o máximo da riqueza é andar de burrico, existe prazer. Poder andar a pé, ver a flor, ouvir o canto do galo, molhar os pés no riacho, coisa que só se pode ver andando a pé!

Quando criança, o meu maior prazer era ir visitar meus avós maternos, principalmente meu avô, e sentir a alegria dele timidamente, já que se escondia atrás da sua braveza leta, chamar-me de “taurina do vô” e então escondido dava uma bala ou uma moeda, coisas que jamais fazia aos outros netos. Era como um contrato tácito de fidelidade e de cumplicidade, eu de ser sua taurina, ele de ser meu vô.

Também falando da vó materna, é impossível esquecer a bruxinha de pano feita por ela e o carinho com que bordou meu nome no uniforme da escola. Da vó paterna, o chá de erva cidreira com pão feito por ela e de dormir em sua na casa.

Talvez seja assim mesmo feita a vida, de pequenos prazeres que levamos por toda vida, gravados na alma.

Quando crescemos por vezes acabamos  de certa forma, esquecendo estes pequenos prazeres da infância ou substituímos por outros que julgamos maiores, como conseguir bens materiais, bom emprego, sucesso, acabamos sendo duros demais, insensíveis aos pequenos acontecimentos.

Deixamos de dar risada por bobeiras, e como as crianças “riem à toa”. Deixamos de brigar pelo direito de lamber a tigela onde a mãe fez a massa do bolo, de querer ajudar com os enfeites da árvore de Natal. Ficamos  sisudos demais.

Acho que a melhor forma de retomar estes simples prazeres, é ver fotos antigas, muitas vezes vamos achar sempre que fomos mais felizes do que hoje, e no futuro vamos achar o mesmo ao ver as fotos de agora. Ou seja, não achamos que somos felizes em tempo presente, como só se fosse possível ser feliz no pretérito e no futuro.

Hoje não posso mais ouvir a voz do meu vô, mas ouço as vozes dos meus sobrinhos e a alegria deles ao ir buscar pão com o vô deles e contarem o que viram pelo caminho. Fico feliz com os simples sonhos deles de dormirem na minha casa. Não somos menos ou mais felizes, são só os prazeres que mudam de nome e de tamanho. Ou somos nós que mudamos?

 

 

 

Sibele Ligório é contabilista, técnica em informática e acadêmica de Filosofia pela PUC - Campinas. É criadora do site Vida em Poesia.