Vida lá fora

Sibele Ligório

 

Diz a letra da música “Televisão” dos Titãs: A televisão me deixou burro, muito burro demais, agora todas coisas que eu penso me parecem iguais (...) A luz do sol me incomoda. Então deixa a cortina fechada (...).

Esta música tem uma certa semelhança com o famoso “mito da caverna” do filósofo Platão (428-347 a.C). A alegoria é a seguinte: havia uma caverna onde viviam algumas pessoas acorrentadas e que passavam a vida viradas de costas, vendo apenas sombras refletidas pela luz do sol. As sombras para os prisioneiros era a vida e pronto e acabou!

Porém, certo dia um dos prisioneiros conseguiu se livrar das correntes e resolveu dar uma espiada no que tinha lá do lado de fora da caverna. A claridade atrapalhou sua visão acostumada ao breu, mas aos poucos o calor foi envolvendo seu corpo e ele foi abrindo os olhos e... Descobriu que tinha vida de verdade fora da caverna!

Diz o mito: “primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia. Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é. Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?”.

O homem liberto, muito generoso, resolveu voltar para a caverna e tentar livrar seus companheiros para que eles também pudessem ver as belezas reais. Mas o que ganhou mesmo foi uns cascudos, por audaciar em falar que as sombras que viam não era a vida. “(...) Poderão ver outra coisa que não as sombras?” perguntou Platão.

O mito da caverna pode ser estudado em diversos temas: educação, liberdade, conhecimento, política, ética, coragem... E também da nossa opção em passar desnecessariamente várias horas preciosas diante da televisão ou do computador, como se a vida é o que nos mostram as telinhas. Então, muitas vezes, até sem perceber, não optamos pelas sombras?

Claro, não há como negar os benefícios que a tecnologia nos oferece. Através dela podemos trabalhar com maior agilidade, estudar, conhecer pessoas, nos divertir e tantas outras coisas legais. Podemos fazer tudo, mas como nos diz Aristóteles, outro filósofo, “a virtude está no meio”, e é bom saber a justa medida não somente na hora de desligar os equipamentos, mas em tudo na vida.

Tem vida lá fora, nos deu a dica Platão! E ele que nem poderia imaginar que um dia a humanidade seria praticamente escrava de algumas tecnologias, nos convida para clicar em “Iniciar”, “Desligar o computador”, “Desativar”.

Abram-se as cortinas! O espetáculo da vida está lá fora!

 Sibele Cristina de Castro Ligório
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