Amor
de Parceria
Saibam
primeiro
Que fulano é
meu amigo
E com ele eu
não brigo
Com ciúmes de
você.
Você provocou
briga entre rivais
Pra depois ver
nos jornais
Seu nome, seu
clichê.
Há muito tempo
meu amigo já sabia
Que você me
oferecia
Chocolate no
jardim.
E começou a
nossa parceria:
Eu fui por
ele
E ele foi por
mim.
Você
pensou
Que fomos
enganados,
Marcando
encontro em dias alternados.
E nós fizemos
a sua vontade.
Dentro daquele
enredo
Eu e ele não
tivemos prejuízo
Na
sociedade.
Quando meu
sócio
Namorava em
seu portão,
Eu ficava na
esquina
Distraindo seu
irmão.
E quantas
vezes eu perdia a fala
Quando estava
sem tostão
E ele pedia
bala!
Nós aturamos
sua tia implicante
Mas filamos
seu jantar,
Não pagamos
restaurante.
Você não sai
do nosso pensamento.
Você foi
negócio, foi divertimento.
Até
Amanhã
Até amanha, se
Deus quiser
Se não chover
eu volto
Pra te ver, ó
mulher
De ti gosto
mais que outra qualquer
Não vou por
gosto
O destino é
quem quer
Adeus é pra
quem deixa a vida
É sempre na
certa que eu jogo
Três palavras
vou dizer por despedida
Até amanha,
até já, até logo
O mundo é um
samba que eu danço
Sem nunca sair
do meu trilho
Vou cantando o
teu nome sem descanso
Pois do meu
samba tu és o estrilho.
Cansei de Implorar
Já cansei de
implorar
Pra você
desguiar
Dizendo que a
minha filha
Ainda é muito
moça pra namorar
Meu Deus, que
teimosia
Desista de
insistir
Na delegacia
você vai residir
Casar sem exibir
credenciais
E sem dizer o
nome dos seus pais
Não pode ser
conversa para mim que sou doutor
Vá-se embora,
por favor
Quem casa sem
ter casa não se cria
Amor sem nota
não tem mais valia
Você me diz que
é advogado de valor
Mas eu também
sou doutor.
Capricho de Rapaz Solteiro
Nunca mais
esta mulher
Me vê
trabalhando.
Quem vive
sambando
Leva a vida
para o lado que quer.
De fome não se
morre
Neste Rio de
Janeiro,
Ser malandro é
um capricho
De rapaz
solteiro.
A mulher é um
achado
Que nos perde
e nos atrasa:
Não há
malandro casado,
Pois malandro
não se casa.
Com a bossa
que eu te der,
Orgulhoso eu
vou gritando:
Nunca mais
esta mulher,
Nunca mais
esta mulher
Me vê
trabalhando!
Antes de
descer ao fundo
Perguntei ao
escafandro
Se o mar é
mais profundo
Que as idéias
do malandro.
Vou, enquanto
eu puder,
Meus caprichos
sustentando.
Nunca mais
esta mulher
Me vê
trabalhando.
Cem Mil Réis
Você me pediu
cem mil-réis
Pra comprar um
soirée
E um
tamborim
O organdi anda
barato pra cachorro
E um gato lá
no morro
Não é tão caro
assim
Não custa
nada
Preencher
formalidade
Tamborim pra
batucada
Soirée pra
sociedade
Sou bem
sensato
Seu pedido
atendi
Já tenho a
pele do gato
Falta o metro
de organdi
Sei que
você
Num dia faz um
tamborim
Mas ninguém
faz um soirée
Com meio metro
de cetim
De
soirée
você num baile
se destaca
Mas não quero
mais você
Porque não sei
vestir casaca.
Chuva de Vento
Quem nunca viu
Chuva de vendo a fantasia
Vá em Caxambu, de dia
Domingo de carnaval!
Chuva de vento
Só essa de Caxambu!
Domingo chove chuchu
E venta água mineral!
Um espanhol
Que está me ouvindo desconfia
Dessa chuva a fantasia
Que abala Caxambu
Esse espanhol
Que na mentira não me ganha
Garantiu que lá na Espanha
Chove bala pra chuchu!
Chuva de vento
É quando o vento dá na chuva
Sol com chuva - céu cinzento
Casamento de viúva
Zeca Secura
Da fazenda do Anzol
Quando chove não vê sol
Vai comprar feijão no centro
Bebe dez litros
De cachaça em meia hora
Pra aguentá chuva por fora
Tem que se molhar por dentro
Vento danado
É aquele lá de Minas
Sopra em cima das meninas
Diverte a população
Até os velhos
Vão correndo pras janelas
Pra ver se algumas delas
Já usa combinação
Fez sol com chuva
Uma viúva lá da Penha
Disse que não há quem tenha
Tanto pretendente junto
Mas um por um
Dos pretendentes é otário
Pois o vencedor do páreo
Ganha resto de defunto
Quem nunca viu
Chuva de vento a fantasia
Vá em Caxambu de dia
Domingo de carnaval
Chuva de vento
Só essa de Caxambu
Domingo chove chuchu
E venta água mineral!
Um Zé Pau-d'água
Tem um amigo parasita
Não trabalha e sempre grita:
"Viva Deus e chova arroz!"
Gritando assim
Do seu povo ele se vinga
Viva Deus e chova pinga
Que arroz nasce depois
Chuva de vento
Muita gente desconfia
Dessa chuva fantasia
Que eu vi em Caxambu
Se o espanhol
Contar a dele não me ganha
Vai dizer que na Espanha
Chove bala pra chuchu!
Cidade Mulher
Cidade de amor
e ventura
Que tem mais
doçura
Que uma
ilusão
Cidade mais
bela que o sorriso
Maior que o
paraíso
Melhor que a
tentação
Cidade que
ninguém resiste
Na beleza
triste
De um
samba-canção
Cidade de
flores sem abrolhos
Que encantando
nossos olhos
Prende o nosso
coração
Cidade
notável
Inimitável
Maior e mais
bela que outra qualquer
Cidade
sensível
Irresistível
Cidade do
amor, cidade mulher
Cidade de
sonho e grandeza
Que guarda
riqueza
Na terra e no
mar
Cidade do céu
sempre azulado
Teu sol é
namorado
Das noites de
luar
Cidade padrão
de beleza
Foi a
natureza
Quem te
protegeu
Cidade de
amores sem pecado
Foi juntinho
ao Corcovado
Que Jesus
Cristo nasceu.
Com que
Roupa?
Agora vou
mudar minha conduta Eu vou pra luta, pois eu quero me
aprumar Vou tratar você com força bruta Pra poder me
reabilitar
Pois esta vida
não está sopa Eu pergunto com que roupa
Com que roupa
. . .eu vou? Pro samba que você me convidou Com que roupa
. . .eu vou
Com que roupa
que eu vou Pro samba que você me convidou
Seu português,
agora, deu o fora Já foi-se embora e levou seu
capital Esqueceu quem tanto amou outrora Pra se casar com
a cachopa
Eu hoje estou
pulando como sapo
Pra ver se
escapo Desta praga de urubú
Já estou
coberto de farrapos Eu vou acabar ficando nú
Meu paletó
virou estopa Eu nem sei mais com que roupa
Com que roupa
que eu vou . . .
Provei
Provei Do amor todo amargor que ele tem Então
jurei Nunca mais amar ninguém Porém, eu agora encontrei
alguém Que me compreende E que me quer bem
Nunca se
deve jurar Não mais amar a ninguém Não há quem possa
evitar De se apaixonar por alguém
Quem fala mal do
amor Não sabe a vida levar Pois quem maldiz a própria
dor Tem amor mas não sabe
amar.
O Orvalho Vem Caindo
O orvalho vem
caindo
Vai molhar o
meu chapéu E também vão sumindo
As estrelas lá
no céu Tenho passado tão mal
A minha cama é
uma folha de jornal
Meu cortinado
é o vasto céu de anil E o meu despertador é o guarda
civil Que o salário ainda não viu
O meu chapéu
vai de mal a pior E o meu terno pertenceu a um defunto
maior Dez tostões no Belchior
A minha sopa
não tem gosto, nem tem sal Se um dia passo bem, dois e três
passo mal Isto é muito natural
A minha terra
dá banana e aipim Meu trabalho é achar quem descasque por
mim Vivo triste mesmo
assim.
Noel
Rosa
(1910-1937)
Rosa,
Noel ,
compositor e intérprete brasileiro, nasceu em 11 de dezembro
de 1910, no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro e morreu em
4 de maio de 1937, no Rio de Janeiro. Boêmio, teve uma vida
curta, porém intensa. Compôs muitos de seus sambas nos
botequins. Na opinião do crítico José Ramos Tinhorão, o
segredo de Noel — "o filósofo do samba" — foi ser branco, de
classe média e capaz de criar sambas no puro estilo do Estácio
ou músicas requintadas. O poeta de Vila Isabel foi provocador,
humorístico, trágico e irônico, sem nunca deixar de ser
lírico. Teve sensibilidade para temas sociais e sentimentais.
Deixou 228 músicas, muitas delas famosas e reinterpretadas até
hoje, entre elas Com que roupa, Três apitos e
Palpite
infeliz
Fonte:
Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft
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