Cherries (1863) - Alma Tadema 


 
 

 

 

Amor de Parceria

 

Saibam primeiro

Que fulano é meu amigo

E com ele eu não brigo

Com ciúmes de você.

 

Você provocou briga entre rivais

Pra depois ver nos jornais

Seu nome, seu clichê.

 

Há muito tempo meu amigo já sabia

Que você me oferecia

Chocolate no jardim.

E começou a nossa parceria:

Eu fui por ele

E ele foi por mim.

 

Você pensou

Que fomos enganados,

Marcando encontro em dias alternados.

E nós fizemos a sua vontade.

Dentro daquele enredo

Eu e ele não tivemos prejuízo

Na sociedade.

 

Quando meu sócio

Namorava em seu portão,

Eu ficava na esquina

Distraindo seu irmão.

E quantas vezes eu perdia a fala

Quando estava sem tostão

 

E ele pedia bala!

Nós aturamos sua tia implicante

Mas filamos seu jantar,

Não pagamos restaurante.

Você não sai do nosso pensamento.

Você foi negócio, foi divertimento.

 

 

 

Até Amanhã

 

Até amanha, se Deus quiser

Se não chover eu volto

Pra te ver, ó mulher

De ti gosto mais que outra qualquer

Não vou por gosto

O destino é quem quer

 

Adeus é pra quem deixa a vida

É sempre na certa que eu jogo

Três palavras vou dizer por despedida

Até amanha, até já, até logo

 

O mundo é um samba que eu danço

Sem nunca sair do meu trilho

Vou cantando o teu nome sem descanso

Pois do meu samba tu és o estrilho.

 

 

Cansei de Implorar

 

Já cansei de implorar

Pra você desguiar

Dizendo que a minha filha

Ainda é muito moça pra namorar

Meu Deus, que teimosia

Desista de insistir

Na delegacia você vai residir

 

Casar sem exibir credenciais

E sem dizer o nome dos seus pais

Não pode ser conversa para mim que sou doutor

Vá-se embora, por favor

Quem casa sem ter casa não se cria

Amor sem nota não tem mais valia

Você me diz que é advogado de valor

Mas eu também sou doutor.

 

 

Capricho de Rapaz Solteiro
 

 

Nunca mais esta mulher

Me vê trabalhando.

Quem vive sambando

Leva a vida para o lado que quer.

De fome não se morre

Neste Rio de Janeiro,

Ser malandro é um capricho

De rapaz solteiro.

 

A mulher é um achado

Que nos perde e nos atrasa:

Não há malandro casado,

Pois malandro não se casa.

Com a bossa que eu te der,

Orgulhoso eu vou gritando:

Nunca mais esta mulher,

Nunca mais esta mulher

Me vê trabalhando!

 

Antes de descer ao fundo

Perguntei ao escafandro

Se o mar é mais profundo

Que as idéias do malandro.

Vou, enquanto eu puder,

Meus caprichos sustentando.

Nunca mais esta mulher

Me vê trabalhando.

 

 

 

Cem Mil Réis

 

Você me pediu cem mil-réis

Pra comprar um soirée

E um tamborim

O organdi anda barato pra cachorro

E um gato lá no morro

Não é tão caro assim

 

Não custa nada

Preencher formalidade

Tamborim pra batucada

Soirée pra sociedade

Sou bem sensato

Seu pedido atendi

Já tenho a pele do gato

Falta o metro de organdi

 

Sei que você

Num dia faz um tamborim

Mas ninguém faz um soirée

Com meio metro de cetim

De soirée

você num baile se destaca

Mas não quero mais você

Porque não sei vestir casaca.

 

 

Chuva de Vento

 

Quem nunca viu

Chuva de vendo a fantasia

Vá em Caxambu, de dia

Domingo de carnaval!

Chuva de vento

Só essa de Caxambu!

Domingo chove chuchu

E venta água mineral!

Um espanhol

Que está me ouvindo desconfia

Dessa chuva a fantasia

Que abala Caxambu

Esse espanhol

Que na mentira não me ganha

Garantiu que lá na Espanha

Chove bala pra chuchu!

 

Chuva de vento

É quando o vento dá na chuva

Sol com chuva - céu cinzento

Casamento de viúva

 

Zeca Secura

Da fazenda do Anzol

Quando chove não vê sol

Vai comprar feijão no centro

Bebe dez litros

De cachaça em meia hora

Pra aguentá chuva por fora

Tem que se molhar por dentro

Vento danado

É aquele lá de Minas

Sopra em cima das meninas

Diverte a população

Até os velhos

Vão correndo pras janelas

Pra ver se algumas delas

Já usa combinação

 

Fez sol com chuva

Uma viúva lá da Penha

Disse que não há quem tenha

Tanto pretendente junto

Mas um por um

Dos pretendentes é otário

Pois o vencedor do páreo

Ganha resto de defunto

Quem nunca viu

Chuva de vento a fantasia

Vá em Caxambu de dia

Domingo de carnaval

Chuva de vento

Só essa de Caxambu

Domingo chove chuchu

E venta água mineral!

 

Um Zé Pau-d'água

Tem um amigo parasita

Não trabalha e sempre grita:

"Viva Deus e chova arroz!"

Gritando assim

Do seu povo ele se vinga

Viva Deus e chova pinga

Que arroz nasce depois

Chuva de vento

Muita gente desconfia

Dessa chuva fantasia

Que eu vi em Caxambu

Se o espanhol

Contar a dele não me ganha

Vai dizer que na Espanha

Chove bala pra chuchu!

 

 

Cidade Mulher

 

Cidade de amor e ventura

Que tem mais doçura

Que uma ilusão

Cidade mais bela que o sorriso

Maior que o paraíso

Melhor que a tentação

Cidade que ninguém resiste

Na beleza triste

De um samba-canção

Cidade de flores sem abrolhos

Que encantando nossos olhos

Prende o nosso coração

 

Cidade notável

Inimitável

Maior e mais bela que outra qualquer

Cidade sensível

Irresistível

Cidade do amor, cidade mulher

 

Cidade de sonho e grandeza

Que guarda riqueza

Na terra e no mar

Cidade do céu sempre azulado

Teu sol é namorado

Das noites de luar

Cidade padrão de beleza

Foi a natureza

Quem te protegeu

Cidade de amores sem pecado

Foi juntinho ao Corcovado

Que Jesus Cristo nasceu.

 

 

Com que Roupa?

 

Agora vou mudar minha conduta
Eu vou pra luta, pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com força bruta
Pra poder me reabilitar

Pois esta vida não está sopa
Eu pergunto com que roupa

Com que roupa . . .eu vou?
Pro samba que você me convidou
Com que roupa . . .eu vou

Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou

Seu português, agora, deu o fora
Já foi-se embora e levou seu capital
Esqueceu quem tanto amou outrora
Pra se casar com a cachopa

Eu hoje estou pulando como sapo

Pra ver se escapo
Desta praga de urubú

Já estou coberto de farrapos
Eu vou acabar ficando nú

Meu paletó virou estopa
Eu nem sei mais com que roupa

Com que roupa que eu vou . . .

 

 

Provei

 

Provei
Do amor todo amargor que ele tem
Então jurei
Nunca mais amar ninguém
Porém, eu agora encontrei alguém
Que me compreende
E que me quer bem

Nunca se deve jurar
Não mais amar a ninguém
Não há quem possa evitar
De se apaixonar por alguém

Quem fala mal do amor
Não sabe a vida levar
Pois quem maldiz a própria dor
Tem amor mas não sabe amar.

 

 

O Orvalho Vem Caindo

 

O orvalho vem caindo

Vai molhar o meu chapéu
E também vão sumindo

As estrelas lá no céu
Tenho passado tão mal

A minha cama é uma
folha de jornal

Meu cortinado é o vasto céu de anil
E o meu despertador é o guarda civil
Que o salário ainda não viu

O meu chapéu vai de mal a pior
E o meu terno pertenceu a um defunto maior
Dez tostões no Belchior

A minha sopa não tem gosto, nem tem sal
Se um dia passo bem, dois e três passo mal
Isto é muito natural

A minha terra dá banana e aipim
Meu trabalho é achar quem descasque por mim
Vivo triste mesmo assim.

 

 

 

 

Noel Rosa

(1910-1937)

 

Rosa, Noel, compositor e intérprete brasileiro, nasceu em 11 de dezembro de 1910, no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro e morreu em 4 de maio de 1937, no Rio de Janeiro. Boêmio, teve uma vida curta, porém intensa. Compôs muitos de seus sambas nos botequins. Na opinião do crítico José Ramos Tinhorão, o segredo de Noel — "o filósofo do samba" — foi ser branco, de classe média e capaz de criar sambas no puro estilo do Estácio ou músicas requintadas. O poeta de Vila Isabel foi provocador, humorístico, trágico e irônico, sem nunca deixar de ser lírico. Teve sensibilidade para temas sociais e sentimentais. Deixou 228 músicas, muitas delas famosas e reinterpretadas até hoje, entre elas Com que roupa, Três apitos e Palpite infeliz

Fonte: Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft


 

 

 

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