The Signal (1899) - John William Godward
 
 

 

 

 

Olha-me!

 

Olha-me! O teu olhar sereno e brando

Entra-me o peito, como um largo rio

De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando

O ermo de um bosque tenebroso e frio.

 

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando

Falas, por noites cálidas de estio,

As estrelas acendem-se, radiando,

Altas, semeadas pelo céu sombrio.

 

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto

Agora, agora de ternura cheia,

Abre em chispas de fogo essa pupila...

 

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto

Em seu fulgor me abraso, uma sereia

Soluce e cante nessa voz tranqüila!

 

 

Ora (direis) ouvir estrelas!


 

"Ora (direis) ouvir estrelas!

Certo perdeste o senso!"

E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via láctea, como um pálio aberto, cintila.

E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas.

 

 

 

Palavras

 

As palavras do amor expiram como os versos,

Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:

Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,

Vidas que não têm vida, existências que invento;

 

Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos

De pó, que o sopro espalha ao torvelim do vento,

Raios de sol, no oceano entre as águas imersos

-As palavras da fé vivem num só momento...

 

Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,

O "não!" que desengana, o "nunca!" que alucina,

E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,

 

Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:

Ficam no coração, numa inércia assassina,

Imóveis e imortais, como pedras geladas.

 

 

 

 

Remorso

 

 

Às vezes uma dor me desespera...

Nestas ânsias e dúvidas em que ando,

Cismo e padeço, neste outono, quando

Calculo o que perdi na primavera.

 

Versos e amores sufoquei calando,

Sem os gozar numa explosão sincera...

Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera

Mais viver, mais penar e amar cantando !

 

Sinto o que desperdicei na juventude;

Choro neste começo de velhice,

Mártir da hipocrisia ou da virtude.

 

Os beijos que não tive por tolice,

Por timidez o que sofrer não pude,

E por pudor os versos que não disse !

 

 

 

 

 

Este, que um deus cruel arremessou à vida,

Marcando-o com o sinal da sua maldição,

— Este desabrochou como a erva má, nascida

 Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida...

Sem constância no amor, dentro do coração

Sente, crespa, crescer a selva retorcida

Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

 

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!

Alma cega, perdida à toa no caminho!

Roto casco de nau, desprezado no mar!

 

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;

E, homem há de morrer como viveu: sozinho!

Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

 

 

Um Beijo

 

 

Foste o beijo melhor da minha vida,

Ou talvez o pior...

Glória e tormento,

Contigo à luz subi do firmamento,

Contigo fui pela infernal descida!

 

Morreste, e o meu desejo não te olvida:

Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,

E do teu gosto amargo me alimento,

E rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,

Batismo e extrema-unção, naquele instante

Por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,

Beijo divino! e anseio, delirante,

Na perpétua saudade de um minuto...

 

 

In Extremis

 

 

Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia

Assim! De um sol assim!

Tu, desgrenhada e fria,

Fria! Postos nos meus os teus olhos molhados,

E apertando nos teus os meus dedos gelados...

 

E um dia assim! De um sol assim! E assim a esfera

Toda azul, no esplendor do fim da primavera!

Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!

Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento

Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

 

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!

Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,

A arredar-me de ti, cada vez mais a morte...

 

Eu com o frio a crescer no coração, — tão cheio

De ti, até no horror do verdadeiro anseio!

Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,

A boca que beijava a tua boca ardente,

A boca que foi tua!

 

E eu morrendo! E eu morrendo,

Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo

Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,

A delícia da vida! A delícia da vida!

 

 

 

Olavo Bilac

(1865-1918)

 

Olavo Bilac, famoso poeta brasileiro e figura significativa na vida pública do país. Fez carreira ilustre na literatura e na política, foi orador eloqüente e defendeu importantes causas sociais. Nasceu no Rio de Janeiro no dia 16 de dezembro de 1865. Estudou medicina, profissão que abandonou pelo direito, que, por sua vez, trocou pela literatura.

Sua primeira coleção de versos, Poesias (1888), assegurou-lhe a fama. Apesar de ter apenas 23 anos quando o livro foi publicado, seus poemas já mostravam as características que marcariam suas obras mais maduras: o requinte formal acompanhado de grande sensualidade. Foi uma das figuras básicas do parnasianismo brasileiro, que pregava a objetividade, a contenção das emoções e a impessoalidade frente a qualquer tema.

Os 35 sonetos de Via Láctea resumem sua obra lírica, cantando o tema que mais o entusiasmava: o amor sensual. Conseguiu neles alguns de seus melhores e mais conhecidos versos, como "Ora (direis) ouvir estrelas!". Em obras posteriores desenvolveu temas históricos e filosóficos. O caçador de esmeraldas é um poema épico sobre os bandeirantes. Tarde (1919), publicação póstuma, é mais reflexiva e nostálgica.

Bilac foi um homem de letras ativo, escreveu artigos jornalísticos, ensaios de crítica literária, fez conferências e colaborou com outros escritores. Publicou um tratado de métrica e histórias patrióticas para as escolas. Fez campanha pelo serviço militar obrigatório, como forma de combater o analfabetismo e representou o Brasil no Congresso Pan-americano de Buenos Aires de 1910. Chamado "o príncipe dos poetas brasileiros", foi muito lido e teve enorme prestígio em sua época. Sua reputação declinou durante o período modernista. Morreu no dia 28 de dezembro de 1918, no Rio de Janeiro.

 

Fonte: Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft

 

 

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