Olha-me!
Olha-me! O teu
olhar sereno e brando
Entra-me o
peito, como um largo rio
De ondas de
ouro e de luz, límpido, entrando
O ermo de um
bosque tenebroso e frio.
Fala-me! Em
grupos doudejantes, quando
Falas, por
noites cálidas de estio,
As estrelas
acendem-se, radiando,
Altas,
semeadas pelo céu sombrio.
Olha-me assim!
Fala-me assim! De pranto
Agora, agora
de ternura cheia,
Abre em
chispas de fogo essa pupila...
E enquanto eu
ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor
me abraso, uma sereia
Soluce e cante
nessa voz tranqüila!
Ora (direis) ouvir estrelas!
"Ora (direis)
ouvir estrelas!
Certo perdeste
o senso!"
E eu vos
direi, no entanto,
Que, para
ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as
janelas, pálido de espanto ...
E conversamos
toda a noite, enquanto
A via láctea,
como um pálio aberto, cintila.
E, ao vir do
sol, saudoso e em pranto,
Inda as
procuro pelo céu deserto.
Direis agora:
"Tresloucado amigo!
Que conversas
com elas? Que sentido
Tem o que
dizem, quando estão contigo?"
E eu vos
direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem
ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir
e de entender estrelas.
Palavras
As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que não têm vida, existências que invento;
Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
De pó, que o sopro espalha ao torvelim do vento,
Raios de sol, no oceano entre as águas imersos
-As palavras da fé vivem num só momento...
Mas as palavras más, as do ódio e do
despeito,
O "não!" que desengana, o "nunca!" que alucina,
E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,
Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
Imóveis e imortais, como pedras
geladas.
Remorso
Às vezes uma
dor me desespera...
Nestas ânsias
e dúvidas em que ando,
Cismo e
padeço, neste outono, quando
Calculo o que
perdi na primavera.
Versos e
amores sufoquei calando,
Sem os gozar
numa explosão sincera...
Ah ! Mais cem
vidas ! com que ardor quisera
Mais viver,
mais penar e amar cantando !
Sinto o que
desperdicei na juventude;
Choro neste
começo de velhice,
Mártir da
hipocrisia ou da virtude.
Os beijos que
não tive por tolice,
Por timidez o
que sofrer não pude,
E por pudor os
versos que não disse !
Só
Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
— Este desabrochou como a erva má,
nascida
Apenas para aos pés ser calcada no
chão.
De motejo em motejo arrasta a alma
ferida...
Sem constância no amor, dentro do
coração
Sente, crespa, crescer a selva
retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da
solidão.
Longos dias sem sol! noites de eterno
luto!
Alma cega, perdida à toa no
caminho!
Roto casco de nau, desprezado no
mar!
E, árvore, acabará sem nunca dar um
fruto;
E, homem há de morrer como viveu:
sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão!
sem lar!
Um Beijo
Foste o beijo
melhor da minha vida,
Ou talvez o
pior...
Glória e
tormento,
Contigo à luz
subi do firmamento,
Contigo fui
pela infernal descida!
Morreste, e o
meu desejo não te olvida:
Queimas-me o
sangue, enches-me o pensamento,
E do teu gosto
amargo me alimento,
E rolo-te na
boca malferida.
Beijo extremo,
meu prêmio e meu castigo,
Batismo e
extrema-unção, naquele instante
Por que,
feliz, eu não morri contigo?
Sinto-te o
ardor, e o crepitar te escuto,
Beijo divino!
e anseio, delirante,
Na perpétua
saudade de um minuto...
In Extremis
Nunca morrer
assim! Nunca morrer num dia
Assim! De um
sol assim!
Tu,
desgrenhada e fria,
Fria! Postos
nos meus os teus olhos molhados,
E apertando
nos teus os meus dedos gelados...
E um dia
assim! De um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no
esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas
de luz, cortando o firmamento!
Ninhos
cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os
rosais, sacudindo o arvoredo...
E, aqui
dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!
Nós dois... e,
entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me
de ti, cada vez mais a morte...
Eu com o frio
a crescer no coração, — tão cheio
De ti, até no
horror do verdadeiro anseio!
Tu, vendo
retorcer-se amarguradamente,
A boca que
beijava a tua boca ardente,
A boca que foi
tua!
E eu morrendo!
E eu morrendo,
Vendo-te, e
vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela
palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da
vida! A delícia da vida!
Olavo
Bilac
(1865-1918)
Olavo
Bilac, famoso poeta brasileiro
e figura significativa na vida pública do país. Fez carreira
ilustre na literatura e na política, foi orador eloqüente e
defendeu importantes causas sociais. Nasceu no Rio de Janeiro
no dia 16 de dezembro de 1865. Estudou medicina, profissão que
abandonou pelo direito, que, por sua vez, trocou pela
literatura.
Sua primeira coleção de
versos, Poesias (1888), assegurou-lhe a fama. Apesar de
ter apenas 23 anos quando o livro foi publicado, seus poemas
já mostravam as características que marcariam suas obras mais
maduras: o requinte formal acompanhado de grande sensualidade.
Foi uma das figuras básicas do parnasianismo brasileiro, que
pregava a objetividade, a contenção das emoções e a
impessoalidade frente a qualquer tema.
Os 35 sonetos de Via
Láctea resumem sua obra lírica, cantando o tema que mais o
entusiasmava: o amor sensual. Conseguiu neles alguns de seus
melhores e mais conhecidos versos, como "Ora (direis) ouvir
estrelas!". Em obras posteriores desenvolveu temas históricos
e filosóficos. O caçador de esmeraldas é um poema épico
sobre os bandeirantes. Tarde (1919), publicação
póstuma, é mais reflexiva e nostálgica.
Bilac foi um homem de
letras ativo, escreveu artigos jornalísticos, ensaios de
crítica literária, fez conferências e colaborou com outros
escritores. Publicou um tratado de métrica e histórias
patrióticas para as escolas. Fez campanha pelo serviço militar
obrigatório, como forma de combater o analfabetismo e
representou o Brasil no Congresso Pan-americano de Buenos
Aires de 1910. Chamado "o príncipe dos poetas brasileiros",
foi muito lido e teve enorme prestígio em sua época. Sua
reputação declinou durante o período modernista. Morreu no dia
28 de dezembro de 1918, no Rio de Janeiro.
Fonte:
Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft
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