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            A Dança      
             
            
              
                Não 
                te amo como se fosses a rosa de sal, topázio 
                 Ou 
                flechas de cravos que propagam o fogo: 
                 Te 
                amo como se amam certas coisas obscuras, 
                 Secretamente, entre a sombra e a alma. 
                 Te 
                amo como a planta que não floresce e leva 
                 Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, 
                 E 
                graças a teu amor vive escuro em meu corpo 
                 O 
                apertado aroma que ascendeu da terra. 
                 Te 
                amo sem saber como, nem quando, nem onde, 
                 Te 
                amo assim diretamente sem problemas nem orgulho: 
                 Assim te amo porque não sei amar de outra maneira, 
                 Senão assim deste modo que não sou nem és, 
                 Tão 
                perto que tua mão sobre o meu peito é minha, 
                 Tão 
                perto que se fecham teus olhos com meu sonho. 
                 Antes de amar-te, amor, nada era meu: 
                 Vacilei pelas ruas e as coisas: 
                 Nada contava nem tinha nome: 
                 O 
                mundo era do ar que esperava. 
                 E 
                conheci salões cinzentos, 
                 Túneis habitados pela lua, 
                 Hangares cruéis que se dependiam, 
                 Perguntas que insistiam na areia. 
                 Tudo estava vazio, morto e mudo, 
                 Caído, abandonado, decaído, 
                 Tudo era inalianavelmente alheio, 
                 Tudo era dos outros e de ninguém, 
                 Até 
                que tua beleza e tua pobreza 
                 De 
                dádivas encheram o outono.       
                 
              
              
            O Ramo roubado    
                
            
              
                Pela noite entraremos para roubar 
                 Um ramo florido. 
                 Ainda não se foi o inverno, 
                 E a macieira aparece 
                 Convertida, de súbito, 
                 Em cascata de estrelas perfumadas. 
                 Pela noite entraremos 
                 Até chegar ao firmamento trêmulo, 
                 E tuas mãos pequenas como as minhas 
                 Roubarão as estrelas. 
                 E sigilosamente 
                 À nossa casa, 
                 Pela noite e na sombra, 
                 Entrará com teus passos 
                 O silencioso passo do perfume 
                 E com pés entrelaçados 
                 O corpo claro desta 
                primavera.       
              
             
  
               
             XIX       
            
              
                Meu 
                avô, Dom José Angel Reyes, 
                 viveu cento e dois anos entre Parral e a morte. 
                 Era 
                um grande senhor rural 
                 com 
                pouca terra e filhos em demasia. 
                 Aos 
                cem anos de idade o estou vendo: nevado 
                 era 
                este velho, azul era sua barba antiga 
                 e 
                ainda entrava nos trens para me ver crecer, 
                 em 
                vagão de teceira, de Cauquenes ao Sul. 
                 Chegava o eterno Dom José Angel, o velho, 
                 para tomar um trao, o último, comigo: 
                 sua 
                mão de cem anos levantava 
                 o 
                vinho trêmulho como uma 
                borboleta.             
            XXI              
            
              
                Vivi na desordem de pátrias não nascidas, 
                 em 
                colônias que ainda não sabiam nascer, 
                 com 
                bandeiras inéditas que se ensangüentariam. 
                 Vivi na fogueira de povos malferidos 
                 comendo o pão estranho em meu padecimento.    
                         
               
              XXV       
            
              
                Vai 
                se o hoje: uma cápsula 
                 De 
                fria luz que volta a seu recinto, 
                 à 
                sua mãe sombria, renascendo. 
                 Deixo-o agora envolto em sua linhagem. 
                 Dia, é verdade que participei na luz? 
                 Tempo, sou parte de sua catarata? 
                 Areias minhas, solidões! 
                 Se 
                é verdade que partimos, 
                 fomos nos consumindo 
                 em 
                pleno sal marinho 
                 e a 
                golpés de relâmpago. 
                 Minha razão tem vivido na intepérie, 
                 entreguei ao mar meu coração calcário.    
                      
            Poemas do livro Aún (Ainda) 
            – Tradução de Olga Savary – publicado pela editora José Olympio – 5ª 
            ed. Rio de Janeiro, 1995
  
               
              
              
            
              
                 Já és minha. Repousa com 
                teu sonho em meu sonho. Amor, dor, trabalhos, devem dormir 
                agora. Gira a noite sobra suas invisíveis rodas e junto a 
                mim és pura como âmbar dormido. Nenhuma mais, amor, dormirá 
                com meus sonhos. Irás, iremos juntos pelas águas do 
                tempo. Nenhuma mais viajará pela sombra comigo, só tu, 
                sempre-viva, sempre sol, sempre lua. Já tuas mãos abriram os 
                punhos delicados e deixaram cair suaves sinais sem 
                rumo, teus olhos se fecharam como duas asas 
                cinzas. Enquanto eu sigo a água que levas e me leva: a 
                noite, o mundo, o vento enovelam seu destino, e já não sou 
                sem ti senão apenas teu 
            sonho.   
              
              
              
            
              
                Gosto quando te calas porque estás como ausente, e me 
                escutas de longe, e minha voz não te toca. Parece que os 
                olhos te houveram voado e parece que um beijo te lacrara a 
                boca. 
                Como todas as coisas estão plenas de minha 
                alma, emerges das coisas plena da alma minha. Borboleta de 
                sonho, te pareces a minha alma, e te pareces à palavra 
                melancolia. 
                Gosto quando te calas e estás como distante. E estás 
                como queixando-te, borboleta em arrulho. E me escutas de 
                longe, e minha voz não te alcança. Deixame que me cale com o 
                silêncio teu. 
                Deixame que te fale também com teu silêncio claro como 
                uma lâmpada, simples como um anel. És como a noite, calada e 
                constelada. Teu silêncio é de estrela, tão longínqüo e 
                singelo. 
                Gosto quando te calas porque estas como 
                ausente. Distante e dolorosa como se houvesse morrido. Uma 
                palavra então, um sorriso bastam. E estou alegre, alegre de 
                que certo não tenha sido.   
              
            (do 
            livro "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada") 
              
              
              
            O 
            vento na Ilha 
              
            
              
                O 
                vento é um cavalo ouça como ele corre pelo mar, pelo 
                céu.
  Quer levar-me: escuta como percorre o mundo para 
                levar-me longe Esconde-me em teus braços por esta noite 
                somente, enquanto a chuva abre contra o mar e a 
                terra suas incontáveis bocas.
  Escuta como o 
                vento me chama galopando para levar-me 
                longe.
    
                Com teu peito em meu peito, com tua boca em minha 
                boca. nossos corpos atados ao amor que nos 
                queima, deixa que o vento passe sem que possa 
                levar-me.
  Deixa que o vento corra coroado de 
                espuma, que me chame e me busque galopando nas 
                sombras, enquanto eu, submerso debaixo de teus grandes 
                olhos, por esta noite somente descansarei, meu 
                amor. 
                  
              
              
              
            
            
              
              
                |   
                   Pablo Neruda 
                  (1904-1973) 
                   
                    
                  Pablo 
                  Neruda, poeta 
                  chileno, considerado um dos mais importantes literatos do 
                  século XX. Seu nome verdadeiro era Neftalí Ricardo Reyes e seu 
                  pseudônimo foi escolhido para homenagear o poeta tcheco Jan 
                  Neruda.  
                  
                  Sua 
                  obra é lírica, plena de emoção e marcada por um acentuado 
                  humanismo. Em seu livro de estréia, com apenas 20 anos, 
                  Crepusculário (1923), já se assinou Pablo Neruda que, 
                  em 1946, passou a usar legalmente.  
                  
                  Sua 
                  fama tornou-se maior com a publicação de Vinte poemas de 
                  amor e uma canção desesperada (1924). Alternando a vida 
                  literária com a diplomática, Pablo Neruda era o embaixador 
                  chileno na França quando ocorreu o golpe de Estado que depôs o 
                  presidente Salvador Allende.  
                  
                  De 
                  volta ao Chile, sofreu perseguições políticas e morreu pouco 
                  depois, sendo enterrado em sua casa de Isla Negra, ao sul do 
                  Chile. Em sua obra destacam-se Residência na Terra 
                  (1933), España en el corazón (1937, inspirado na Guerra 
                  Civil Espanhola), Canto Geral (1950), Cem sonetos de 
                  amor (1959), Memorial de Isla Negra (1964), A 
                  espada incendiada ( 1970) e a autobiografia póstuma, 
                  Confesso que vivi (1974), um emocionante testemunho do 
                  tempo e das emoções de uma grande poeta. Em 1971, Neruda 
                  recebeu o Prêmio Nobel de Literatura e o Prêmio Lênin da Paz. 
                  Antes havia sido agraciado com o Prêmio Nacional de Literatura 
                  (1945). 
                  
                    
                  Fonte: Enciclopédia Encarta - 2000 
                  Microsoft 
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