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Canção do Exílio
Minha terra
tem palmeiras,
Onde canta o
Sabiá;
As aves, que
aqui gorjeiam,
Não gorjeiam
como lá.
Nosso céu tem
mais estrelas,
Nossas várzeas
têm mais flores,
Nossos bosques
têm mais vida,
Nossa vida
mais amores.
Em cismar,
sozinho, à noite,
Mais prazer
encontro eu lá;
Minha terra
tem palmeiras,
Onde canta o
Sabiá.
Minha terra
tem primores,
Que tais não
encontro eu cá;
Em cismar —
sozinho, à noite —
Mais prazer
encontro eu lá;
Minha terra
tem palmeiras,
Onde canta o
Sabiá.
Não permita
Deus que eu morra,
Sem que eu
volte para lá;
Sem que
desfrute os primores
Que não
encontro por cá;
Sem qu'inda
aviste as palmeiras,
Onde canta o
Sabiá.
Se se morre
de amor!
Se se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n'alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d'amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr'ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!
Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu'olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d'ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr'ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d'êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ãnsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!
Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!
Seus
Olhos
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.
São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
Às vezes vulcão!
Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.
Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.
Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.
Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.
Recordação
Quando em meu peito as aflições rebentam
Eivadas de sofrer acerbo e duro;
Quando a desgraça o coração me arrocha
Em círculos de ferro, com tal força,
Que dele o sangue em borbotões golfeja;
Quando minha alma de sofrer cansada,
Bem que afeita a sofrer, sequer não pode
Clamar: Senhor, piedade; — e que os meus olhos
Rebeldes, uma lágrima não vertem
Do mar d'angústias que meu peito oprime:
Volvo aos instantes de ventura, e penso
Que a sós contigo, em prática serena,
Melhor futuro me augurava, as doces
Palavras tuas, sôfregos, atentos
Sorvendo meus ouvidos, — nos teus olhos
Lendo os meus olhos tanto amor, que a vida
Longa, bem longa, não bastara ainda
por que de os ver me saciasse!... O pranto
Então dos olhos meus corre espontâneo,
Que não mais te verei. — Em tal pensando
De martírios calar sinto em meu peito
Tão grande plenitude, que a minha alma
Sente amargo prazer de quanto
sofre.
Amor! Delirío - Engano
Amor! delírio — engano... Sobre a terra
Amor também fruí; a vida inteira
Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre.
Amei! — dedicação, ternura, extremos
Cismou meu coração, cismou minha alma,
— Minha alma que na taça da ventura
Vida breve d'amor sorveu gostosa.
Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata
Oásis, paraíso, éden ou templo
Habitamos uma hora; e logo o tempo
Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto,
Doce encanto que o amor nos fabricara.
E eu sempre a via!... quer nas nuvens d'oiro,
Quando ia o sol nas vagas sepultar-se,
Ou quer na branca nuvem que velava
O círculo da lua, — quer no manto
D'alvacenta neblina que baixava
Sobre as folhas do bosque, muda e grave,
Da tarde no cair; nos céus, na terra,
A ela, a ela só, viam meus olhos.
Seu nome, sua voz — ouvia eu sempre;
Ouvia-os no gemer da parda rola,
No trépido correr da veia argêntea,
No respirar da brisa, no sussurro
Do arvoredo frondoso, na harmonia
Dos astros inefável; — o seu nome!
Nos fugitivos sons de alguma frauta,
Que da noite o silêncio realçavam,
Os ares e a amplidão divinizando,
Ouviam meus ouvidos; e de ouvi-lo
Arfava de prazer meu peito ardente.
Ah! quantas vezes, quantas! junto dela
Não senti sua mão tremer na minha;
Não lhe escutei um lânguido suspiro,
Que vinha lá do peito à flor dos lábios
Deslizar-se e morrer?! Dos seus cabelos
A mágica fragrância respirando,
Escutando-lhe a voz doce e pausada,
Mil venturas colhi dos lábios dela,
Que instantes de prazer me futuravam.
Cada sorriso seu era uma esp'rança,
E cada esp'rança enlouquecer de amores.
E eu amei tanto! — Oh! não! não hão de os homens
Saber que amor, à ingrata, havia eu dado;
Que afetos melindrosos, que em meu peito
Tinha eu guardado para ornar-lhe a fronte!
Oh! — não, — morra comigo o meu segredo;
Rebelde o coração murmure embora.
Que de vezes, pensando a sós comigo,
Não disse eu entre mim: — Anjo formoso,
Da minha vida que farei, se acaso
Faltar-me o teu amor um só instante;
— Eu que só vivo por te amar, que apenas
O que sinto por ti a custo exprimo?
No mundo que farei, como estrangeiro
Pelas vagas cruéis à praia inóspita
Exânime arrojado? — Eu, que isto disse,
Existo e penso — e não morri, — não morro
Do que outrora senti, do que ora sinto,
De pensar nela, de a rever em sonhos,
Do que fui, do que sou e ser podia!
Existo; e ela de mim jaz esquecida!
Esquecida talvez de amor tamanho,
Derramando talvez noutros ouvidos
Frases doces de amor, que dos seus lábios
Tantas vezes ouvi, — que tantas vezes
Em êxtase divino aos céus me alçaram,
— Que dando à terra ingrata o que era terra
Minha alma além das nuvens transportaram.
Existo! como outrora, no meu peito
Férvido o coração pular sentindo,
Todo o fogo da vida derramando
Em queixas mulheris, em moles versos.
E ela!... ela talvez nos braços doutrem
Com sua vida alimenta uma outra vida,
Com o seu coração o de outro amante,
Que mais feliz do que eu, infemo! a goza.
Ela, que eu respeitei, que eu venerava
Como a relíquia santa! — a quem meus olhos,
Receando ofendê-la, tantas vezes
De castos e de humildes se abaixaram!
Ela, perante quem sentia eu presa
A voz nos lábios e a paixão no peito!
Ela, ídolo meu, a quem o orgulho,
A força d'homem, o sentir, vontade
Própria e minha dediquei, — sujeita
À voz de alguém que não sou eu, — desperta,
Talvez no instante em que de mim se lembra,
Por um ósculo frio, por carícias
Devidas dum esposo!...
Oh! não poder-te,
Abutre roedor, cruel ciúme,
Tua funda raiz e a imagem dela
No peito em sangue espedaçar raivoso!
Mas tu, cruel, que és meu rival, numa hora,
Em que ela só julgar-se, hás de escutar-lhe
Um quebrado suspiro do imo peito,
Que d'eras já passadas se recorda.
Hás de escutá-lo, e ver-lhe a cor do rosto
Enrubescer-se ao deparar contigo!
Presa serás também d'atros cuidados,
Terás ciúme, e sofrerás qual sofro:
Nem menor que o meu mal quero a vingança.
Te Deum
Senhor Deus Sabaó, três vezes santo,
Imenso é o teu poder, tua força imensa,
Teus prodígios sem conta; — e os céus e a terra
Teu ser e nome e glória preconizam.
E o arcanjo forte, e o serafim sem mancha,
E o coro dos profetas, e dos mártires
A turba eleita — a ti, Senhor, proclamam,
Senhor Deus Sabaó, três vezes santo.
Na inocência do infante és tu quem falas;
A beleza, o pudor — és tu que as gravas
Nas faces da mulher, — és tu que ao velho
Prudência dás, — e o que verdade e força
Nos puros lábios, do que é justo, imprimes.
És tu quem dás rumor à quieta noite,
És tu quem dás frescor à mansa brisa,
Quem dás fulgor ao raio, asas ao vento,
Quem na voz do trovão longe rouquejas.
És tu que do oceano à fúria insana
Pões limites e cobro, — és tu que a terra
No seu vôo equilibras, — quem dos astros
Governas a harmonia, como notas
Acordes, simultâneas, palpitando
Nas cordas d'Harpa do teu Rei Profeta,
Quando ele em teu furor hinos soltava,
Qu'iam, cheios de amor, beijar teu sólio.
Santo! Santo! Santo! — teus prodígios
São grandes, como os astros, — são imensos,
Como areia delgada em quadra estiva.
E o arcanjo forte e o serafim sem mancha,
E o coro dos profetas, e dos mártires
A turba eleita — a ti, Senhor, proclamam,
Senhor Deus Sabaó, três vezes
grande.
O
Amor
Amor! enlevo
d'alma, arroubo, encanto
Desta
existência mísera, onde existes?
Fino sentir ou
mágico transporte,
(O quer que
seja que nos leva a extremos,
Aos quais não
basta a natureza humana;)
Simpática
atração d'almas sinceras
Que unidas
pelo amor, no amor se apuram,
Por quem
suspiro, serás nome apenas?
A inútil chama
ressecou meus lábios,
Mirrou-me o
coração da vida em meio,
E à terra fez
baixar a mente errada
Que entre
nuvens, amor, por ti bradava!
Não te pude
encontrar! — em vão meus anos
No louco
intento esperdicei; gelados,
Uns após
outros a cair precípites
Na urna do
passado os vi; eu triste,
Amor, por ti
clamava; — e o meu deserto
Aos meus
acentos reboava embalde.
Em vão meu
coração por ti se fina,
Em vão minha
alma te compreende e busca,
Em vão meus
lábios sôfregos cobiçam
Libar a taça
que aos mortais of’reces!
Dizem-na
funda, inesgotável, meiga;
Enquanto a
vejo rasa, amarga e dura!
Dizem-na
bálsamo, eu veneno a sorvo:
Prazer,
doçura, — eu dor e fel encontro!
Dobrei-me às
duras leis que me impuseste,
Curvei ao jugo
teu meu colo humilde,
Feri-me aos
teus ardentes passadores,
Prendi-me aos
teus grilhões, rojei por terra...
E o lucro?...
foram lágrimas perdidas,
Foi roxa
cicatriz qu'inda conservo,
Desbotada a
ilusão e a vida exausta!
Celeste
emanação, gratos eflúvios
Das roseiras
do céu; bater macio
Das asas
auribrancas dalgum anjo,
Que roça em
noite amiga a nossa esfera,
Centelha e luz
do sol que nunca morre;
És tudo, e
mais qu'isto: — és luz e vida,
Perfume, e vôo
d'anjo mal sentido,
Peregrinas
essências trescalando!...
Também passas
veloz, — breve te apagas,
Como duma ave
a sombra fugitiva,
Desgarrada
voando à flor de um lago!
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Gonçalves
Dias
(1823-1864)
Antônio Gonçalves
Dias, poeta que consolidou o movimento romântico
brasileiro. Nasceu em Caxias, Maranhão, e faleceu em um
naufrágio no litoral maranhense. Estudou Direito na
Universidade de Coimbra. Foi jornalista, professor do Colégio
Pedro II e funcionário do Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Realizou, por ordem do governo brasileiro,
missões de coleta de documentos em arquivos europeus.
Um
precursor do movimento ecológico pela veemência com que
defendeu a preservação da natureza, Gonçalves Dias deixou uma
obra em que se incluem dramas, peças teatrais, poemas e até um
dicionário da língua tupi. Nela pode-se notar uma variedade
tão grande de ritmos — cada texto encontrava seu próprio
andamento — que alguns críticos o consideram o pai de um
estudado desequilíbrio formal que as gerações futuras
cultuariam. Tão grande era o domínio de Gonçalves Dias sobre a
língua portuguesa que seu poema mais conhecido, a Canção do
exílio, ("minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/"),
não tem, nos 24 versos que a compõem, um só adjetivo. Também é
famoso seu nacionalismo e sua tendência a explorar temas
indígenas.
Gonçalves
Dias escreveu, também, memórias de interesse histórico,
publicadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e publicou, entre outros, os livros
Primeiros Cantos, Segundos Cantos e Últimos
Cantos (1847-1861), Os timbiras (1857). De sua
autoria ficaram famosos, principalmente, as poesias Canção
do tamoio e I Juca Pirama. Principal expressão do
indianismo dentro do movimento romântico, sua poesia é
panteísta, lírica e bucólica, além de marcada pela nostalgia e
pela tristeza.
Fonte:
Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft
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