A favourite custom (1909) - Alma Tadema  


 
 

pg. 2

 

Espera!

 

Quem há no mundo que aflições não passe,

Que dores são suporte?

Mais ou menos d'angústias cabe a todos,

A todos cabe a morte.

 

A vida é um fio negro d'amarguras

E de longo sofrer;

Semelha a noite; mas fagueiros sonhos

Podem de noite haver.

 

Por que então maldiremos este mundo

E a vida que vivemos,

Se nos tornamos do Senhor mais dignos,

Quando mais dor sofremos?

 

Quantos cabelos temos, ele o sabe;

Ele pode contar

As folhas que há no bosque, os grãos d'areia

Que sustentam o mar.

 

Como pois não será ele conosco

No dia da aflição?

Como não há de computar as dores

Do nosso coração?

 

Como há de ver-nos, sem piedade, o rosto

Coberto d'amargura;

Ele, senhor e pai, conforto e guia

Da humana criatura?

 

Se o vento sopra, se se move a terra,

Se iroso o mar flutua;

Se o sol rutila, se as estrelas brilham,

Se gira a branca lua;

 

Deus o quis, Deus que mede a intensidade

Da dor e da alegria,

Que cada ser comporta — num momento

D'arroubo ou d'agonia!

 

Embora pois a nossa vida corra

Alheia da ventura!

Além da terra há céus, e Deus protege

A toda criatura!

 

Viajor perdido na floresta à noite,

Assim vago na vida;

Mas sinto a voz que me dirige os passos

E a luz que me convida.

 

 

Não me Deixes!

 

Debruçada nas águas dum regato

A flor dizia em vão

À corrente, onde bela se mirava:

"Ai, não me deixes, não!

 

"Comigo fica ou leva-me contigo

"Dos mares à amplidão;

"Límpido ou turvo, te amarei constante;

"Mas não me deixes, não!"

 

E a corrente passava; novas águas

Após as outras vão;

E a flor sempre a dizer curva na fonte:

"Ai, não me deixes, não!"

 

E das águas que fogem incessantes

À eterna sucessão

Dizia sempre a flor, e sempre embalde:

"Ai, não me deixes, não!"

 

Por fim desfalecida e a cor murchada,

Quase a lamber o chão,

Buscava inda a corrente por dizer-lhe

Que a não deixasse, não.

 

A corrente impiedosa a flor enleia,

Leva-a do seu torrão;

A afundar-se dizia a pobrezinha:

"Não me deixaste, não!"

 

 

Olhos Verdes

 

São uns olhos verdes, verdes,

Uns olhos de verde-mar,

Quando o tempo vai bonança;

Uns olhos cor de esperança,

Uns olhos por que morri;

Que ai de mim!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

 

Como duas esmeraldas,

Iguais na forma e na cor,

Têm luz mais branda e mais forte,

Diz uma — vida, outra — morte;

Uma — loucura, outra — amor.

Mas ai de mim!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

 

São verdes da cor do prado,

Exprimem qualquer paixão,

Tão facilmente se inflamam,

Tão meigamente derramam

Fogo e luz do coração

Mas ai de mim!

Nem já sei qual fiquei sendo

depois que os vi!

 

São uns olhos verdes, verdes,

Que podem também brilhar;

Não são de um verde embaçado,

Mas verdes da cor do prado,

Mas verdes da cor do mar.

Mas ai de mim!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

 

Como se lê num espelho,

Pude ler nos olhos seus!

Os olhos mostram a alma,

Que as ondas postas em calma

Também refletem os céus;

Mas ai de mim!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

 

Dizei vós, ó meus amigos,

Se vos perguntam por mim,

Que eu vivo só da lembrança

De uns olhos cor de esperança,

De uns olhos verdes que vi!

Que ai de mim!

Nem já sei qual fiquei sendo

Depois que os vi!

 

Dizei vós: Triste do bardo!

Deixou-se de amor finar!

Viu uns olhos verdes, verdes,

uns olhos da cor do mar:

Eram verdes sem esp’rança,

Davam amor sem amar!

Dizei-o vós, meus amigos,

Que ai de mim!

Não pertenço mais à vida

Depois que os vi!

 

 

Como eu te amo

 

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,

O orvalho numa flor, nos céus a estrela,

No largo mar a sombra de uma vela,

Que lá na extrema do horizonte assoma;

 

Como se ama o clarão da branca lua,

Da noite na mudez os sons da flauta,

As canções saudosíssimas do nauta,

Quando em mole vaivém a nau flutua,

 

Como se ama das aves o gemido,

Da noite as sombras e do dia as cores,

Um céu com luzes, um jardim com flores,

Um canto quase em lágrimas sumido;

 

Como se ama o crepúsculo da aurora,

A mansa viração que o bosque ondeia,

O sussurro da fonte que serpeia,

Uma imagem risonha e sedutora;

 

Como se ama o calor e a luz querida,

A harmonia, o frescor, os sons, os céus,

Silêncio, e cores, e perfume, e vida,

Os pais e a pátria e a virtude e a Deus:

 

Assim eu te amo, assim; mais do que podem

Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale

Cantar a voz do trovador cansada:

O que é belo, o que é justo, santo e grande

Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,

Por quanto já sofri, por quanto ainda

Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.

O que espero, cobiço, almejo, ou temo

De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas

Com quanto amor eu te amo, e de que fonte

Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!

Esta oculta paixão, que mal suspeitas,

Que não vês, não supões, nem te eu revelo,

Só pode no silêncio achar consolo,

Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

 

De mim não saberás como te adoro;

Não te direi jamais,

Se te amo, e como, e a quanto extremo chega

Esta paixão voraz!

 

Se andas, sou o eco dos teus passos;

Da tua voz, se falas;

o murmúrio saudoso que responde

Ao suspiro que exalas.

 

No odor dos teus perfumes te procuro,

Tuas pegadas sigo;

Velo teus dias, te acompanho sempre,

E não me vês contigo!

 

Oculto e ignorado me desvelo

Por ti, que me não vês;

Aliso o teu caminho, esparjo flores,

Onde pisam teus pés.

Mesmo lendo estes versos, que m'inspiras,

— "Não pensa em mim", dirás:

Imagina-o, se o podes, que os meus lábios

Não to dirão jamais!

 

Sim, eu te amo; porém nunca

Saberás do meu amor;

A minha canção singela

Traiçoeira não revela

O prêmio santo que anela

O sofrer do trovador!

 

Sim, eu te amo; porém nunca

Dos lábios meus saberás,

Que é fundo como a desgraça,

Que o pranto não adelgaça,

Leve, qual sombra que passa,

Ou como um sonho fugaz!

 

Aos meus lábios, aos meus olhos

Do silêncio imponho a lei;

Mas lá onde a dor se esquece,

Onde a luz nunca falece,

Onde o prazer sempre cresce,

Lá saberás se te amei!

 

E então dirás: Objeto

Fui de santo e puro amor:

A sua canção singela;

Tudo agora me revela;

Já sei o prêmio que anela

O sofrer do trovador.

 

"Amou-me como se ama a luz querida,

Como se ama o silêncio, os sons, os céus,

Qual se amam cores e perfume e vida,

Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"

 

 

Amanhã

 

Amanhã! — é o sol que desponta,

É a aurora de róseo fulgor,

É a pomba que passa e que estampa

Leve sombra de um lago na flor.

 

Amanhã! — é a folha orvalhada,

É a rola a carpir-se de dor,

É da brisa o suspiro, — é das aves

Ledo canto, — é da fonte — o frescor.

 

Amanhã! — são acasos da sorte;

O queixume, o prazer, o amor,

O triunfo que a vida nos doura,

Ou a morte de baço palor.

 

Amanhã! — é o vento que ruge,

A procela d'horrendo fragor,

É a vida no peito mirrada,

Mal soltando um alento de dor.

hã! — é a folha pendida.

É a fonte sem meigo frescor,

São as aves sem canto, são bosques

Já sem folhas, e o sol sem calor.

 

Amanhã! — são acasos da sorte!

É a vida no seu amargor,

Amanhã! — o triunfo, ou a morte;

Amanhã! — o prazer, ou a dor!

 

Amanhã! — o que val', se hoje existes!

Folga e ri de prazer e de amor;

Hoje o dia nos cabe e nos toca,

De amanhã Deus somente é Senhor!

 

 

Se te amo, não sei!

 

Amar! se te amo, não sei.

Oiço aí pronunciar

Essa palavra de modo

Que não sei o que é amar.

 

Se amar é sonhar contigo,

Se é pensar, velando, em ti,

Se é ter-te n'alma presente

Todo esquecido de mim!

 

Se é cobiçar-te, querer-te

Como uma bênção dos céus

A ti somente na terra

Como lá em cima a Deus;

 

Se é dar a vida, o futuro,

Para dizer que te amei:

Amo; porém se te amo

Como oiço dizer, — não sei.

 

Sei que se um gênio bom me aparecesse

E tronos, glórias, ilusões floridas,

E os tesouros da terra me oferecesse

E as riquezas que o mar tem escondidas;

 

E do outro lado — a ti somente, — e o gozo

Efêmero e precário — e após a morte;

E me dissesse: "Escolhe" — oh! jubiloso,

Exclamara, senhor da minha sorte! —

 

"Que tesouro na terra há i que a iguale?

Quero-a mil vezes, de joelhos — sim!

Bendita a vida que tal preço vale,

E que merece de acabar assim!"

 

 

Como! És tu?

 

Como! és tu?! essa grinalda

De flores de laranjeira! ...

Branco véu, nuvem ligeira

Sobre o teu rosto a ondear!

Pálida, pálida a fronte

E os olhos quase a chorar!

 

És tu! bem vejo... não fales!

Cala-te! já sei o que é!

A mão vais dar, vida e fé

A outro!... Vais te casar.

Pálida, pálida a fronte,

Olhos em pranto a nadar!

 

E vais! e és tu mesma? — e vais!...

Fui eu quem te dei o exemplo...

Sei que te aguardam no templo,

Deixa-me aqui a chorar:

Fazes somente o que fiz,

Não fazes mais que imitar!

 

Mas eu quis ver-te feliz,

Não dar-te exemplo!... pensava

Que ileso e firme ficava

O teu amor — a guardar

A fé, que eu mesmo, insensato!

Fui o primeiro a quebrar!

 

Contradições d'alma humana!

Fui, sim, quem te dei o exemplo,

Isso quis, e ora contemplo

Essa grinalda — a chorar,

A fronte pálida, pálida,

E o branco véu a ondular!

 

E há de o mundo inda algum dia

Do olvido o véu tenebroso

Estender por tanto gozo,

Tanto crer, tanto esperar!

Vai que te aguardam: já tardas:

Deixa-me aqui a chorar!

 

Vai! e que os anjos derramem

Sobre ti flores, venturas,

Que as alegrias mais puras

Floresçam dos passos teus:

E que entres na casa estranha

Como uma bênção dos céus!

 

Que a fortuna — de veludos

Alcatife os teus caminhos,

Que o orvalho dos teus carinhos

A esse faça feliz

Com quem te casas — que te ame

Como te amei e te quis!

 

Porém procura esquecer-te,

Das venturas no regaço,

De mim, dos votos que faço,

De quanto pedi aos céus

Ver este dia... mas choro!

Vai! sê feliz! adeus!

 

 

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Gonçalves Dias

(1823-1864)

Antônio Gonçalves Dias, poeta que consolidou o movimento romântico brasileiro. Nasceu em Caxias, Maranhão, e faleceu em um naufrágio no litoral maranhense. Estudou Direito na Universidade de Coimbra. Foi jornalista, professor do Colégio Pedro II e funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Realizou, por ordem do governo brasileiro, missões de coleta de documentos em arquivos europeus.

Um precursor do movimento ecológico pela veemência com que defendeu a preservação da natureza, Gonçalves Dias deixou uma obra em que se incluem dramas, peças teatrais, poemas e até um dicionário da língua tupi. Nela pode-se notar uma variedade tão grande de ritmos — cada texto encontrava seu próprio andamento — que alguns críticos o consideram o pai de um estudado desequilíbrio formal que as gerações futuras cultuariam. Tão grande era o domínio de Gonçalves Dias sobre a língua portuguesa que seu poema mais conhecido, a Canção do exílio, ("minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/"), não tem, nos 24 versos que a compõem, um só adjetivo. Também é famoso seu nacionalismo e sua tendência a explorar temas indígenas.

Gonçalves Dias escreveu, também, memórias de interesse histórico, publicadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e publicou, entre outros, os livros Primeiros Cantos, Segundos Cantos e Últimos Cantos (1847-1861), Os timbiras (1857). De sua autoria ficaram famosos, principalmente, as poesias Canção do tamoio e I Juca Pirama. Principal expressão do indianismo dentro do movimento romântico, sua poesia é panteísta, lírica e bucólica, além de marcada pela nostalgia e pela tristeza.

Fonte: Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft


 

 

 

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