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Espera!
Quem há no
mundo que aflições não passe,
Que dores são
suporte?
Mais ou menos
d'angústias cabe a todos,
A todos cabe a
morte.
A vida é um
fio negro d'amarguras
E de longo
sofrer;
Semelha a
noite; mas fagueiros sonhos
Podem de noite
haver.
Por que então
maldiremos este mundo
E a vida que
vivemos,
Se nos
tornamos do Senhor mais dignos,
Quando mais
dor sofremos?
Quantos
cabelos temos, ele o sabe;
Ele pode
contar
As folhas que
há no bosque, os grãos d'areia
Que sustentam
o mar.
Como pois não
será ele conosco
No dia da
aflição?
Como não há de
computar as dores
Do nosso
coração?
Como há de
ver-nos, sem piedade, o rosto
Coberto
d'amargura;
Ele, senhor e
pai, conforto e guia
Da humana
criatura?
Se o vento
sopra, se se move a terra,
Se iroso o mar
flutua;
Se o sol
rutila, se as estrelas brilham,
Se gira a
branca lua;
Deus o quis,
Deus que mede a intensidade
Da dor e da
alegria,
Que cada ser
comporta — num momento
D'arroubo ou
d'agonia!
Embora pois a
nossa vida corra
Alheia da
ventura!
Além da terra
há céus, e Deus protege
A toda
criatura!
Viajor perdido
na floresta à noite,
Assim vago na
vida;
Mas sinto a
voz que me dirige os passos
E a luz que me
convida.
Não me Deixes!
Debruçada nas
águas dum regato
A flor dizia
em vão
À corrente,
onde bela se mirava:
"Ai, não me
deixes, não!
"Comigo fica
ou leva-me contigo
"Dos mares à
amplidão;
"Límpido ou
turvo, te amarei constante;
"Mas não me
deixes, não!"
E a corrente
passava; novas águas
Após as outras
vão;
E a flor
sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me
deixes, não!"
E das águas
que fogem incessantes
À eterna
sucessão
Dizia sempre a
flor, e sempre embalde:
"Ai, não me
deixes, não!"
Por fim
desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber
o chão,
Buscava inda a
corrente por dizer-lhe
Que a não
deixasse, não.
A corrente
impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu
torrão;
A afundar-se
dizia a pobrezinha:
"Não me
deixaste, não!"
Olhos Verdes
São uns olhos
verdes, verdes,
Uns olhos de
verde-mar,
Quando o tempo
vai bonança;
Uns olhos cor
de esperança,
Uns olhos por
que morri;
Que ai de
mim!
Nem já sei
qual fiquei sendo
Depois que os
vi!
Como duas
esmeraldas,
Iguais na
forma e na cor,
Têm luz mais
branda e mais forte,
Diz uma —
vida, outra — morte;
Uma — loucura,
outra — amor.
Mas ai de
mim!
Nem já sei
qual fiquei sendo
Depois que os
vi!
São verdes da
cor do prado,
Exprimem
qualquer paixão,
Tão facilmente
se inflamam,
Tão meigamente
derramam
Fogo e luz do
coração
Mas ai de
mim!
Nem já sei
qual fiquei sendo
depois que os
vi!
São uns olhos
verdes, verdes,
Que podem
também brilhar;
Não são de um
verde embaçado,
Mas verdes da
cor do prado,
Mas verdes da
cor do mar.
Mas ai de
mim!
Nem já sei
qual fiquei sendo
Depois que os
vi!
Como se lê num
espelho,
Pude ler nos
olhos seus!
Os olhos
mostram a alma,
Que as ondas
postas em calma
Também
refletem os céus;
Mas ai de
mim!
Nem já sei
qual fiquei sendo
Depois que os
vi!
Dizei vós, ó
meus amigos,
Se vos
perguntam por mim,
Que eu vivo só
da lembrança
De uns olhos
cor de esperança,
De uns olhos
verdes que vi!
Que ai de
mim!
Nem já sei
qual fiquei sendo
Depois que os
vi!
Dizei vós:
Triste do bardo!
Deixou-se de
amor finar!
Viu uns olhos
verdes, verdes,
uns olhos da
cor do mar:
Eram verdes
sem esp’rança,
Davam amor sem
amar!
Dizei-o vós,
meus amigos,
Que ai de
mim!
Não pertenço
mais à vida
Depois que os
vi!
Como eu te amo
Como se ama o
silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa
flor, nos céus a estrela,
No largo mar a
sombra de uma vela,
Que lá na
extrema do horizonte assoma;
Como se ama o
clarão da branca lua,
Da noite na
mudez os sons da flauta,
As canções
saudosíssimas do nauta,
Quando em mole
vaivém a nau flutua,
Como se ama
das aves o gemido,
Da noite as
sombras e do dia as cores,
Um céu com
luzes, um jardim com flores,
Um canto quase
em lágrimas sumido;
Como se ama o
crepúsculo da aurora,
A mansa
viração que o bosque ondeia,
O sussurro da
fonte que serpeia,
Uma imagem
risonha e sedutora;
Como se ama o
calor e a luz querida,
A harmonia, o
frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e
cores, e perfume, e vida,
Os pais e a
pátria e a virtude e a Deus:
Assim eu te
amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os
lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz
do trovador cansada:
O que é belo,
o que é justo, santo e grande
Amo em ti. —
Por tudo quanto sofro,
Por quanto já
sofri, por quanto ainda
Me resta de
sofrer, por tudo eu te amo.
O que espero,
cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de
ti pende: oh! nunca saibas
Com quanto
amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna,
quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta
paixão, que mal suspeitas,
Que não vês,
não supões, nem te eu revelo,
Só pode no
silêncio achar consolo,
Na dor
aumento, intérprete nas lágrimas.
De mim não
saberás como te adoro;
Não te direi
jamais,
Se te amo, e
como, e a quanto extremo chega
Esta paixão
voraz!
Se andas, sou
o eco dos teus passos;
Da tua voz, se
falas;
o murmúrio
saudoso que responde
Ao suspiro que
exalas.
No odor dos
teus perfumes te procuro,
Tuas pegadas
sigo;
Velo teus
dias, te acompanho sempre,
E não me vês
contigo!
Oculto e
ignorado me desvelo
Por ti, que me
não vês;
Aliso o teu
caminho, esparjo flores,
Onde pisam
teus pés.
Mesmo lendo
estes versos, que m'inspiras,
— "Não pensa
em mim", dirás:
Imagina-o, se
o podes, que os meus lábios
Não to dirão
jamais!
Sim, eu te
amo; porém nunca
Saberás do meu
amor;
A minha canção
singela
Traiçoeira não
revela
O prêmio santo
que anela
O sofrer do
trovador!
Sim, eu te
amo; porém nunca
Dos lábios
meus saberás,
Que é fundo
como a desgraça,
Que o pranto
não adelgaça,
Leve, qual
sombra que passa,
Ou como um
sonho fugaz!
Aos meus
lábios, aos meus olhos
Do silêncio
imponho a lei;
Mas lá onde a
dor se esquece,
Onde a luz
nunca falece,
Onde o prazer
sempre cresce,
Lá saberás se
te amei!
E então dirás:
Objeto
Fui de santo e
puro amor:
A sua canção
singela;
Tudo agora me
revela;
Já sei o
prêmio que anela
O sofrer do
trovador.
"Amou-me como
se ama a luz querida,
Como se ama o
silêncio, os sons, os céus,
Qual se amam
cores e perfume e vida,
Os pais e a
pátria, e a virtude e a Deus!"
Amanhã
Amanhã! — é o
sol que desponta,
É a aurora de
róseo fulgor,
É a pomba que
passa e que estampa
Leve sombra de
um lago na flor.
Amanhã! — é a
folha orvalhada,
É a rola a
carpir-se de dor,
É da brisa o
suspiro, — é das aves
Ledo canto, —
é da fonte — o frescor.
Amanhã! — são
acasos da sorte;
O queixume, o
prazer, o amor,
O triunfo que
a vida nos doura,
Ou a morte de
baço palor.
Amanhã! — é o
vento que ruge,
A procela
d'horrendo fragor,
É a vida no
peito mirrada,
Mal soltando
um alento de dor.
hã! — é a
folha pendida.
É a fonte sem
meigo frescor,
São as aves
sem canto, são bosques
Já sem folhas,
e o sol sem calor.
Amanhã! — são
acasos da sorte!
É a vida no
seu amargor,
Amanhã! — o
triunfo, ou a morte;
Amanhã! — o
prazer, ou a dor!
Amanhã! — o
que val', se hoje existes!
Folga e ri de
prazer e de amor;
Hoje o dia nos
cabe e nos toca,
De amanhã Deus
somente é Senhor!
Se te amo, não sei!
Amar! se te
amo, não sei.
Oiço aí
pronunciar
Essa palavra
de modo
Que não sei o
que é amar.
Se amar é
sonhar contigo,
Se é pensar,
velando, em ti,
Se é ter-te
n'alma presente
Todo esquecido
de mim!
Se é
cobiçar-te, querer-te
Como uma
bênção dos céus
A ti somente
na terra
Como lá em
cima a Deus;
Se é dar a
vida, o futuro,
Para dizer que
te amei:
Amo; porém se
te amo
Como oiço
dizer, — não sei.
Sei que se um
gênio bom me aparecesse
E tronos,
glórias, ilusões floridas,
E os tesouros
da terra me oferecesse
E as riquezas
que o mar tem escondidas;
E do outro
lado — a ti somente, — e o gozo
Efêmero e
precário — e após a morte;
E me dissesse:
"Escolhe" — oh! jubiloso,
Exclamara,
senhor da minha sorte! —
"Que tesouro
na terra há i que a iguale?
Quero-a mil
vezes, de joelhos — sim!
Bendita a vida
que tal preço vale,
E que merece
de acabar assim!"
Como! És tu?
Como! és tu?!
essa grinalda
De flores de
laranjeira! ...
Branco véu,
nuvem ligeira
Sobre o teu
rosto a ondear!
Pálida, pálida
a fronte
E os olhos
quase a chorar!
És tu! bem
vejo... não fales!
Cala-te! já
sei o que é!
A mão vais
dar, vida e fé
A outro!...
Vais te casar.
Pálida, pálida
a fronte,
Olhos em
pranto a nadar!
E vais! e és
tu mesma? — e vais!...
Fui eu quem te
dei o exemplo...
Sei que te
aguardam no templo,
Deixa-me aqui
a chorar:
Fazes somente
o que fiz,
Não fazes mais
que imitar!
Mas eu quis
ver-te feliz,
Não dar-te
exemplo!... pensava
Que ileso e
firme ficava
O teu amor — a
guardar
A fé, que eu
mesmo, insensato!
Fui o primeiro
a quebrar!
Contradições
d'alma humana!
Fui, sim, quem
te dei o exemplo,
Isso quis, e
ora contemplo
Essa grinalda
— a chorar,
A fronte
pálida, pálida,
E o branco véu
a ondular!
E há de o
mundo inda algum dia
Do olvido o
véu tenebroso
Estender por
tanto gozo,
Tanto crer,
tanto esperar!
Vai que te
aguardam: já tardas:
Deixa-me aqui
a chorar!
Vai! e que os
anjos derramem
Sobre ti
flores, venturas,
Que as
alegrias mais puras
Floresçam dos
passos teus:
E que entres
na casa estranha
Como uma
bênção dos céus!
Que a fortuna
— de veludos
Alcatife os
teus caminhos,
Que o orvalho
dos teus carinhos
A esse faça
feliz
Com quem te
casas — que te ame
Como te amei e
te quis!
Porém procura
esquecer-te,
Das venturas
no regaço,
De mim, dos
votos que faço,
De quanto pedi
aos céus
Ver este
dia... mas choro!
Vai! sê feliz!
adeus!
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Gonçalves
Dias
(1823-1864)
Antônio Gonçalves
Dias, poeta que consolidou o movimento romântico
brasileiro. Nasceu em Caxias, Maranhão, e faleceu em um
naufrágio no litoral maranhense. Estudou Direito na
Universidade de Coimbra. Foi jornalista, professor do Colégio
Pedro II e funcionário do Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Realizou, por ordem do governo brasileiro,
missões de coleta de documentos em arquivos europeus.
Um
precursor do movimento ecológico pela veemência com que
defendeu a preservação da natureza, Gonçalves Dias deixou uma
obra em que se incluem dramas, peças teatrais, poemas e até um
dicionário da língua tupi. Nela pode-se notar uma variedade
tão grande de ritmos — cada texto encontrava seu próprio
andamento — que alguns críticos o consideram o pai de um
estudado desequilíbrio formal que as gerações futuras
cultuariam. Tão grande era o domínio de Gonçalves Dias sobre a
língua portuguesa que seu poema mais conhecido, a Canção do
exílio, ("minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/"),
não tem, nos 24 versos que a compõem, um só adjetivo. Também é
famoso seu nacionalismo e sua tendência a explorar temas
indígenas.
Gonçalves
Dias escreveu, também, memórias de interesse histórico,
publicadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e publicou, entre outros, os livros
Primeiros Cantos, Segundos Cantos e Últimos
Cantos (1847-1861), Os timbiras (1857). De sua
autoria ficaram famosos, principalmente, as poesias Canção
do tamoio e I Juca Pirama. Principal expressão do
indianismo dentro do movimento romântico, sua poesia é
panteísta, lírica e bucólica, além de marcada pela nostalgia e
pela tristeza.
Fonte:
Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft
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