The Secret (1876) - William Bouguereau
pg.
1 Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vive-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama...
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito, enquanto
dure. Soneto da
Separação De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
Fez-se de triste o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante.
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais do que de repente.
Ausência Eu vou deixar que morra em mim,
O desejo de amar teus olhos que são doces,
Porque nada poderei te dar,
Senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e
a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto,
E em minha voz, a tua voz
Não te quero ter,
Porque em meu ser tudo estaria terminado,
Quero que só surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra
amaldiçoada,
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei,
Tu irás e encostarás tua face em outra face,
teus dedos enlaçarão outros dedos,
E tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
Porque eu fui o grande íntimo da noite,
Porque eu encostei a minha face na face da noite, e ouvi
sua fala amorosa,
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço,
E eu trouxe até a mim, a misteriosa essência do teu
abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais do que ninguém, porque poderei
partir.
E todas as lamentações do mar, dos céus, das aves, das
estrelas,
Serão a tua voz ausente,
A tua voz presente,
A tua voz serenizada. Vida e Poesia A lua projetava o seu perfil azul
Sobre os velhos arabescos das flores calmas
A pequena varanda era como o ninho futuro
E as ramadas escorriam gotas que não havia.
Na rua ignorada anjos brincavam de roda...
- Ninguém sabia, mas nós estávamos ali.
Só os perfumes teciam a renda da tristeza
Porque as corolas eram alegres como frutos
E uma inocente pintura brotava do desenho das cores
Eu me pus a sonhar o poema da hora.
E, talvez ao olhar meu rosto exasperado
Pela ânsia de te ter tão vagamente amiga
Talvez ao pressentir na carne misteriosa
A germinação estranha do meu indizível apelo
Ouvi bruscamente a claridade do teu riso
Num gorjeio de gorgulhos de água enluarada.
E ele era tão belo, tão mais belo do que a noite
Tão mais doce que o mel dourado dos teus olhos
Que ao vê-lo trilar sobre os teus dentes como um címbalo
E se escorrer sobre os teus lábios como um suco
E marulhar entre os teus seios como uma onda
Eu chorei docemente na concha de minhas mãos vazias
De que me tivesses possuído antes do
amor. O Haver Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura, essa
intimidade perfeita com o silêncio.
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo. Perdoai:
eles não têm culpa de ter nascido.
Resta esse antigo respeito pela noite esse falar baixo,
essa mão quetateia antes de ter esse medo de ferir tocando essa
forte mão de homem cheia de mansidão para com tudo que existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos, essa
inércia cada vez maior ante diante do infinito essa gagueira
infantil de quem quer balbuciar o inexprimível, essa irredutível
recusa à poesia não vivida. Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento da
matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade do tempo,
essa lenta decomposição poética em busca de uma só vida, de uma
só morte, um só Vinícius.
Resta esse coração queimando como um círio numa catedral
em ruínas essa tristeza diante do cotidiano ou essa súbita
alegria ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza essa cólera
cega em face da injustiça e do mal-entendido essa imensa piedade
de si mesmo, essa imensa piedade de sua inútil poesia de sua
força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente
desentranhado de pequenos absurdos, essa tola capacidade de rir
à toa esse ridículo desejo de ser útil e essa coragem de
comprometer-ses em necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
de quem sabe que tudo já foi, como será e virá a ser. E ao mesmo
tempo esse desejo de servir essa contemporaneidade com o amanhã
dos que não têm ontem nem hoje. Resta essa faculdade incoercível de sonhar, de
transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade de aceitá-la
tal como é e essa visão amplados acontecimentos e essa
impressionando e desnecessária presciência e essa memória
anterior de mundos inexistentes e esse heroísmo estático e essa
pequenina luz indecifrável a que as Resta essa obstinação em não fugir do labirinto na busca
desesperada de alguma porta quem sabe inexistente e essa coragem
indizível diante do grande medo e ao mesmo tempo esse terrível
medo de renascer dentro da treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos de
refletir-se em olhares sem curiosidade, sem história.
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
de não querer ser príncipe senão de seu reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento esse
abandono sem remissão à sua voragem insaciável.
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços e esse
eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte esse fascínio
pelo momento a vir, quando, emocionada ela virá me abrir a porta
como uma velha amante sem saber que é a minha mais nova
namorada. Tomara Tomara que você volte depressa que você
não se despeça nunca mais do meu carinho
E volte, se arrependa e pense muito que é melhor
se sofrer junto que viver feliz sozinho
Tomara que a tristeza te convença que a saudade
não compensa e que a ausência não dá pé
Que o verdadeiro amor de quem se ama tece
a mesma antiga trama e não se desfaz
Que a coisa mais bonita desse mundo é viver
cada segundo como nunca mais. Pela luz dos olhos teus
Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus
resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é, meu Deus que frio que me dá
o encontro desse olhar e se a luz do olhos teus
resiste aos olhos meus só pra me provocar
Meu amor juro por Deus me sinto incendiar Meu amor juro por Deus que a luz dos olhos meus
já não pode esperar quero a luz dos olhos meus
na luz do olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus eu acho meu amor e só se pode
achar
que a luz dos olhos meus precisa se
casar... Tarde Na hora dolorosa e roxa das emoções silenciosas
Meu espírito te sentiu.
Ele te sentiu imensamente triste
Imensamente sem Deus
Na tragédia da carne desfeita.
Ele te quis, hora sem tempo porque tu eras a sua imagem,
sem Deus e sem tempo.
Ele te amou e te plasmou na visão da manhã e do dia
Na visão de todas as horas
Ó hora dolorosa e roxa das emoções
silenciosas. Revolta Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.
Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.
De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão, águia audaz, que a noite é fria.
Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia. Ânsia Na treva que se fez em torno de mim
Eu vi a carne. Eu senti a carne que me afogava o peito
E me trazia à boca o beijo maldito.
Eu gritei. De horror eu gritei que a perdição me possuía
a alma.
E ninguém me atendeu.
Eu me debati em ânsias impuras
A treva ficou rubra em torno de mim
E eu caí! As horas longas passaram.
O pavor da morte me possuiu.
No vazio interior ouvi gritos lúgubres
Mas a boca beijada não respondeu aos gritos.
Tudo quedou na prostração.
O movimento da treva cessou ante mim.
A carne fugiu.
Desapareceu devagar, sombria, indistinta,
Mas na boca ficou o beijo morto.
A carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor
Que eu tinha a dor em mim como tivera a carne
Na violência da posse.
Olhos que olharam a carne
Por que chorais? Chorais talvez a carne que foi
Ou chorais a carne que jamais voltará?
Lábios que beijaram a carne
Por que tremeis
Não os bastou o afago de outros lábios
Tremeis pelo prazer que eles trouxeram
Ou tremeis na balbucio da oração?
Carne que possuiu a carne onde o frio?
Lá fora a noite é quente e o vento é tépido
Gritam luxúria neste vento
Onde o frio? Caminhei em rumo, para ruído longínquo
Que eu ouvia, do mar,
Caminhei talvez para a carne
Que vira fugir de mim.
No desespero das árvores paradas busquei consolação
E no silêncio das folhas que caíam senti o ódio
Nos ruídos do mar ouvi o grito de revolta
E de pavor fugi.
Nada mais existe para mim
Só talvez tu, Senhor.
Mas eu sinto em mim o aniquilamento...
Dá-me apenas a aurora,
Senhor já que eu não poderei jamais ver a luz do
dia. Amor nos três pavimentos
Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino, fagote, trombone, saxofone.
Eu não sei tocar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta
Eu faço tudo o que você quiser.
Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso?
É tão simples... você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.
Se você quisesse!...
até na morte eu ia descobrir poesia.
Te recitava as Pombas,
tirava modinhas pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você... A mulher que passa
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa, fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como eu te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quanto te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida?
Para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura e devassa
Que bóia como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.
Ternura Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem o fascinação das
promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
vezes os poetas tomam
por esperança.
Pela noite quente eu caminhei...
encontrem sem
fatalidade o olhar extático da aurora.